O dia 13 de maio está indelevelmente registrado na história brasileira como data da Abolição da escravatura, ato sancionado pela princesa Isabel, em 1888, bem como o 20 de novembro, assassinato de Zumbi dos Palmares, líder do quilombo, morto em uma ação civil-militar em 1695.
As duas datas têm forte simbolismo para a comunidade negra e marcam registros importantes da luta em prol da liberdade por homens e mulheres de origem africana, escravizados ao longo de três séculos e meio.
Não é de hoje que é travada intensa narrativa sobre a dimensão dos papéis desses dois dias marcantes. Há uma série de contextualizações sobre qual é a data mais significativa.
A luta de Zumbi, na serra da Barriga, no final do século 17, não foi necessariamente uma luta de cunho abolicionista. Naquela época, não havia a dimensão histórica que o movimento abolicionista ganharia dois séculos depois. Zumbi, pode-se dizer, foi o embrião que sacudiu o Brasil colônia, num período em que o país ainda patinava em sua formação como nação.
O Quilombo dos Palmares "foi um Brasil às avessas" e antecipou-se "ao que nos tornamos hoje", afirma o historiador Ivan Alves Filho, autor de "Memorial dos Palmares", livro publicado em 2008.
No caso da Abolição, o processo é outro e bem diverso. No século 19, as tecnologias importadas diretamente da Europa possibilitaram certo letramento cultural, reforçado pelo advento da imprensa e dos livros, disseminando um nível de conhecimento fundado em ideias com base nos lemas de "igualdade" e "fraternidade". Foi com base nessas ideias que surgiram determinados movimentos políticos, em especial o republicano, na década de 1870, e o abolicionista, na década de 1880.
Fatores econômicos e sociais também contribuem bastante para isso. Desde a virada do século 18 para o 19, forças progressistas e retrógadas se batem pela disputa de poder, tendo no centro o Império brasileiro, desde o início. Um dos primeiros marcos significativos foi a Independência. Sobretudo no Nordeste, os sinais dessa virada surgiram com grande força e determinismo.
Algumas datas vão ser cruciais para o surgimento, de forma vigorosa, do nosso abolicionismo: a proibição do tráfico negreiro, em 1831, que declarava livres os africanos que aqui chegassem, punindo os seus negociantes –apelidada logo de "lei para inglês ver"—, e a lei de Eusébio de Queirós (1812-1868), na época ministro da Justiça, de 1850, que estabelecia o fim do tráfico.
No fundo, era outra lei que em nada favorecia o povo negro –fosse escravizado, fosse livre. No mesmo ano e no mesmo mês –entre 4 e 18 de setembro– também era aprovada a chamada "lei de terras", com forte lobby de grandes latifundiários e fazendeiros. Sua finalidade era precípua: impedir que negros se tornassem donos de terras, o que lhes concederia o direito de votar e ser votado.
Toda esta artimanha vai desembocar no movimento abolicionista, tendo à frente suas principais lideranças, por incrível que pareça –mais negras do que brancas. Três delas foram gigantescas: Luiz Gama (1830-1882), André Rebouças (1838-1898) e José do Patrocínio (1853-1905).
Esses três homens juntos levariam nas costas todo o processo que culminaria na Abolição. De todos, Gama faleceu sem ver a obra concluída. Radical que era, defendeu em tribunal, que o escravizado que "mata o senhor, seja em que circunstância for, mata em legítima defesa".
Mas Patrocínio e Rebouças –dois grandes empresários negros– se confraternizariam diante de um feito que, acima da Proclamação da República, pode ser considerado o mais importante evento político e social da história brasileira.
Obviamente, a obra ligada à população está inconclusa e ainda sob a ordem do desmando e da violência. Patrocínio denunciava nos comícios que a escravidão "é um roubo" e todo "dono de escravo é um ladrão". Já Rebouças se orgulhava de ter vivido para "ver a Abolição da escravatura".
Portanto, é imperativo que o 13 de Maio sirva, antes de mais nada, para refletir o papel que esses e muitos homens e mulheres, obviamente negros, tiveram para se chegar até aqui.
Tanto o Quilombo dos Palmares quanto o dia 13 de Maio de 1888 têm suas dimensões de importância e, sem qualquer dúvida, significam avanços que nos fazem entender o papel que ainda temos na continuidade de luta.
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