Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Gonçalves Dias, poeta maior das nossas palmeiras, completa 200 anos

Bicentenário do autor de 'Canção de Exílio' nos lembra sua origem negra e indígena

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Com pouco alarde, como tudo de importante que acontece no Brasil, neste dia 10, um dos maiores poetas brasileiros, Antônio Gonçalves Dias, completa 200 anos de nascimento (1823-2023).

Qualquer brasileiro comum, por menor letramento poético que tenha, sabe quem foi o consagrado autor dos versos da "Canção do Exílio": "Minha terra tem palmeiras /Onde canta o Sabiá /As aves, que aqui gorjeiam, /Não gorjeiam como lá".

Os versos, escritos em Coimbra, Portugal, onde o poeta estudava, são de 1843. Aos 20 anos, Gonçalves Dias já era poeta em pleno amadurecimento criativo. Logo após, publicaria o livro "Primeiros Cantos", pela editora Laemmert, do Rio de Janeiro. Esse seria o início de uma longa caminhada que o consagraria no mundo das letras, com obras não só de poesia, como "Os Timbiras" e "I-Juca Pirama", forte e pioneira pegada indianista, além do teatro e um "Dicionário da Língua Tupi", de 1858, que o aproximou ainda mais do imperador Pedro 2º, que dominava o idioma indígena.

Desiludido de uma grande paixão, por ser negro e pobre, casa-se, sem amor, em 1852, com Olímpia Coriolano da Costa, filha de um médico da Corte, com quem tem uma filha, de nome Joana. Após a morte de Gonçalves Dias, ajudada pelo amigo do marido, Antônio Henriques Leal, será ela quem cuidará da sua numerosa obra póstuma.

O poeta Antônio Gonçalves Dias - Reprodução

A vida de Gonçalves Dias é bastante controvertida. Ele nasceu no sítio Boavista, em terras de Jatobá, próxima à cidade de Caxias, hoje pertencente ao município de Aldeias Altas, no Maranhão, onde se erguem alguns monumentos em sua homenagem, demarcando o local exato onde veio ao mundo.

Era filho do comerciante português João Manuel Gonçalves Dias e de Vicência Ferreira –essa de ascendência africana e indígena. O poeta puxou os traços fisionômicos materno, com tom de pele negra e cabelos avolumados, como é perceptível nas fotografias.

Como toda relação entre brancos europeus e negros de origem africana, além do abuso e da violência, o pai "dispensa" sua mãe para casar com Adelaide Ramos de Almeida, uma mulher branca. Mas, logo, os pais biológicos falecem. O menino, protegido pelos amigos paternos, é encaminhado para estudar no exterior, matriculando-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, uma das mais importantes do mundo, tendo como colegas os principais nomes do romantismo português e brasileiro.

Do exterior, com saudade de sua pátria, escreve "Canção do Exílio", poema-síntese de sua carreira de poeta, cujas estrofes serviram na composição do "Hino Nacional", em especial, nos versos: "Nossa vida, no teu seio, mais amores".

Gonçalves Dias é da primeira geração romântica, ao lado de Gonçalves de Magalhães, Teixeira e Sousa, Araújo Porto Alegre, entre outros. Antes de morrer, em 1864, no naufrágio do navio Ville de Boulogne, na baía de Cumã —imediações da cidade de Guimarães, onde morava a escritora Maria Firmina dos Reis, com quem se correspondeu—, era poeta querido e respeitado, tendo Machado de Assis dito sobre ele: "Seus versos serão repetidos enquanto a língua que falamos for a língua de nossos destinos".

Aliás, uma curiosidade. No final da carta a Firmina, datada de 1857, o poeta diz o seguinte: "Muitas saudades a mana", no caso Amália Augusta Reis, e "ao sr. Brito", este José dos Reis e Brito Filho, e "aceite-as do seu –não sei que diga", e assina. É isso mesmo? O nosso grande vate flertava com a autora de "Úrsula"?

É preciso aproveitar data tão simbólica para estudar as facetas negras da vida e obra desse importante maranhense. A crítica Lúcia Miguel Pereira (1901-1959) tocou nesse ponto na biografia "A Vida de Gonçalves Dias" ao relacionar a escravidão à sua produção literária. Os poucos estudiosos e pesquisadores, quando fizeram algo parecido, fizeram de forma superficial.

Nei Lopes, o griot dos estudos afro-atlânticos, também toca no assunto em "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana", ao referir-se à origem "escrava" gonçalviana. O assunto só é mais bem tratado em Wilson José Marques, no trabalho "Gonçalves Dias: o Poeta na Contramão – Literatura & Escravidão no Romantismo Brasileiro".

Relacionar Gonçalves Dias à questão negra, ao que parece, não está muito em pauta ainda hoje. Primeiro dos nossos românticos, comparável a Castro Alves, o celebrado "poeta dos escravos", ele também, de sangue africano por parte de mãe, o maranhense é ainda um ponto na curva –ou "na contramão", na visão de Marques—, sobre assuntos raciais e pré-abolicionistas.

Alexei Bueno, abordou o tema em "A Escravidão na Poesia Brasileira", onde transcreve "A Escrava", poema de Gonçalves Dias que faz referência ao Congo.

Já Salgado Maranhão, que participa de uma homenagem ao poeta na Academia Maranhense de Letras, fala que Gonçalves Dias "é o primeiro poeta brasileiro a personificar a alma do Brasil" e que seu poema "é a carteira de identidade da nova nação". Acredito. Dias é nosso grande poeta nacional, de dimensão simbólica do país. Viva a poesia!

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