Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Ailton Krenak evoca sua imortalidade ancestral na posse na ABL

Casa de Machado de Assis vira página após 127 anos de história

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É de Ailton Krenak este período:

"Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui".

Eu recordei essa frase, tirada de "Futuro Ancestral", seu livro de 2022, pelo fato de ter assistido à posse do filósofo, escritor, pensador indígena na Academia Brasileira de Letras (ABL), no último dia 5. A solenidade em si, por razões óbvias, foi revestida dos ritos acadêmicos já consagrados na casa desde a sua fundação, em 1897, sob a presidência de ninguém menos que Machado de Assis.

Eleger-se para a ABL ainda se consagra dentro de uma premissa onde o candidato que postula a vaga, além de pedir votos, precisa se submeter à apreciação dos seus futuros pares, que o escolherão de forma secreta, com cédulas incineradas após a escolha.

A posse de Krenak foi diferente de tudo o que já presenciei em eventos assistidos no egrégio clube social das letras nacionais. Porém, ainda é cedo para a digestão total de tudo o que presenciei e ouvi. O discurso de Krenak, feito para uma plateia atenta de acadêmicos e de seleta audiência convidada especialmente para a ocasião, transporta nosso pensamento para a inteireza de um país formatado na concepção de uma cultura elitista e estratificada, à moda estrangeira, ainda hoje com viés europeu.

Ailton Krenak em sua posse na ABL - Mauro Pimentel/AFP

A fala de Krenak quebrou cristais, mas como um gentleman, com a delicadeza que enobrece e eleva.

"Eu não sou mais do que um, mas eu posso invocar uns 300. Nesse caso, 305 povos que nos últimos 30 anos do nosso país, passaram a ter a disposição de dizer, estou aqui! Sou guarani, sou xavante, sou kayapó, sou yanomami e sou Teresa."

Depois de evocar o paulistano Mário de Andrade, através do poema "Eu Sou Trezentos...", Krenak remete para o público uma profunda indagação: "O que é um griot?". Ele queria falar da escravidão africana que transformou a paisagem social e cultural brasileira, esse violento processo industrial que se apropriou de vidas humanas e que durou mais de 350 anos no Brasil.

Não era uma pergunta para respostas, estava evidente, até porque o "rito" da academia não permite interrupções quando um imortal fala. Era apenas para lembrar que, como os povos indígenas, originários em sua própria terra, os negros africanos, na diáspora forçada, também sofreram processos de extermínio na sua terra.

"Abolir a escravatura não é abolir a escravidão. Quem dera fosse. Se abolir a escravatura fosse abolir a escravidão, nós estaríamos vivendo numa sociedade com menos desigualdade e brutalidade com as nossas diferenças do que nós vivemos hoje".

A erudição de Krenak é desconcertante. Em "A Vida não é Útil", ele já diz dessa falta de humanidade entre os próprios humanos –o que ele chama de "sub-humanidade".

A ABL foi fundada nove anos após a abolição da escravatura. O grupo de fundadores é todo de "homens das letras", a começar pelo seu aclamado presidente, o negro Machado de Assis. Aliás, a academia teve, desde 1897, na sua fundação, outros homens de sangue negro assinando a sua famosa ata: Barão de Loreto (Franklin Dória), Domício da Gama, Alcindo Guanabara, Pereira da Silva e José do Patrocínio.

Hoje a academia tem Gilberto Gil, Domício Proença Filho e, uma mulher, Ana Maria Machado —três grandes imortais. Como os indígenas, tão barafustados da convivência social, como bem disse Aílton Krenak, tudo está (re)começando. Aplaudimos a iniciativa, sempre quando ela for para melhorar a convivência e a pluralidade. Sigamos firmes –e confiantes.

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