Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Tom Farias

Angolano Kalaf Epalanga, com novo livro, reflete sua raiz africana e universal

A edição de 'Minha Pátria é a Língua Pretugesa' refaz caminho sentimental do autor

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Eu sempre tive uma grande inclinação pelas leituras de contos e crônicas, de modo que chego a ficar alheio de tudo quando começo a ler este ou aquele livro. Contos e crônicas ainda não são tão bem-vistos no Brasil, o que acho uma injustiça, pois por aqui pontifica o romance, acrescentando que os ensaios e as biografias também não são queridinhos entre nós. Eu gosto de todos, sem discriminação, mas, desde a juventude, aprecio mais os contos e crônicas.

Sobre esta última modalidade de escrita, ainda tratada como gênero menor da literatura brasileira, eu tenho uma coisa a dizer: lembro que foi com Lima Barreto a minha maior imersão como leitor de crônicas, encantado que fiquei com textos como "Maio", sobre a abolição da escravatura, e "15 de Novembro", onde Lima trata com certo desapontamento do aniversário da Proclamação da República.

homem negro de braços cruzados e vestido de preto, senta apoiado em pilastra bege
O escritor Kalaf Epalanga, de 'Minha Pátria É a Língua Pretuguesa' - Keita Mayanda/Divulgação

Agora, aqui desta tribuna, volto a confessar meu amor pela crônica com a leitura de um novo livro: "Minha Pátria É a Língua Pretuguesa", do escritor angolano Kalaf Epalanga, autor publicado pela Todavia no Brasil.

Kalaf, escritor conhecido nosso, desde que publicou "Também os Brancos Sabem Dançar", romance de uma "Alma Nômade", como assinala Mia Couto, mas de grande erudição pelas altas histórias que converge e nos proporciona.

No caso deste novo livro, temos um Kalaf solto e profundo, passeando com seu impecável estilo e figurino estilísticos, de uma forma que busca aterrissagens em temas caros para sua formação como intelectual negro da diáspora africana, e como homem de uma escrita lapidada, concisa e recheada de curiosidade.

Ao longo de 54 textos, de um volume de 190 páginas, sem ilustrações no miolo e apetrechos que nos distraiam, o escritor angolano ressignifica, com certo tempero de sua língua crioula, o "pretuguês" de Lélia Gonzalez. Ao mesmo tempo, refunda a ideia, dando um tom sentimental nas palavras que escreve, forte sentido do que entendemos sobre o termo "paternidade".

Em seu novo livro, Kalaf Epalanga reúne textos que viajam pelo seu universo afetivo —lugares, dentro e fora do continente, família, estado físico e emocional e os laços de amizade.

Escolher a modalidade crônica para estabelecer tais ligações, faz todo sentido em "Minha Pátria É a Língua Pretuguesa". Não só pelo seu referencial histórico, descritivo, em tom de conversa, num misto de ancestralidade e griô, como pela carga que se estabelece, entre textos escritos e oralidade. O autor, experiente nas artes narrativas, como um excelente contador de histórias reais, (re)cria novo e amplo universo a partir do seu repertório forjado no cotidiano.

Tomando de empréstimo o militante idioma "pretuguês" de Lélia Gonzalez, o "pretuguesa" de Kalaf —espécie de sua kizomba íntima e pessoal— recarrega objetivos e estabelece novas conexões, em um lugar dentro de outro estado de grandeza, com a singularidade luso-africana-brasileira.

Em páginas como "Adivinhe a Cor", "Domingo do Calulu" e, entre tantas outras, como "Psicanálise das Barbearias" —essa com a descritiva ambiência literária dos que "sabem o que fazem"—, alimenta bem a doce poesia de textos como, por exemplo, o de "Ilha de Moçambique". Ali evoca curiosidades do patrício luso-brasileiro Tomás António Gonzaga, que foi desterrado para o país africano, depois de preso e acusado de conspiração por sua participação na conjuração mineira, considerada a primeira revolta pró-independência brasileira.

Por tudo isso, por essa literatura da revolta interior, Kalaf dedica seções de reverência à música popular e, no bojo, não deixa de citar as personalidades, os artistas e os autores brasileiros. E, demonstra, com isso, carinho especial por leituras de cronistas que vão do veterano Rubem Braga e à escritora ativista Cidinha da Silva, ambos com importantes contribuições sobre o comportamento das gentes e dos meios urbanos de nossas cidades.

Como se vê, Kalaf Epalanga, além de grande escritor, talentoso e digno, tem coração generoso. Por todos os efeitos, a sua literatura é bem o espelho a sua raiz africana e universal.

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