Tostão

Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Descrição de chapéu

Em 1968, ano de fatos marcantes na história, também se jogava futebol

Muitos pedem a volta do esporte à sua essência; é um discurso sedutor, mas fora da realidade

Foto em preto e branco, com dois homens se cumprimentando, enquanto outro tenta entrevistar um deles com um microfone
O capitão da seleção brasileira, Carlos Alberto Torres (dir.), cumprimenta capitão da seleção do México, antes de jogo em Belo Horizonte, em novembro de 1968 - Acervo UH/Folhapress

Em 1968, 50 anos atrás, Chico Buarque escreveu a peça Roda Viva. Foi o ano também do Álbum Branco, dos Beatles, do assassinato de Martin Luther King, de grandes protestos pelo mundo, do famigerado AI-5, imposto pela ditadura brasileira, da invasão da Tchecoslováquia pela URSS, dos Jogos Olímpicos do México e de tantos outros fatos marcantes da história.

Em 1968, também se jogava futebol. O Cruzeiro foi tetracampeão mineiro, época em que os estaduais eram os campeonatos mais importantes. A seleção, sem Pelé, que viajava pelo mundo com o Santos, fez uma longa excursão por vários continentes. A estreia foi contra a Alemanha. Perdemos por 2 a 1. Poderia ter sido 4 a 1 ou mesmo 7 a 1.

O Brasil repetiu o sistema tático do fracasso de 1966, com apenas dois no meio-campo e quatro na frente, com enormes espaços entre os setores. Nas copas de 1958 e 1962, vencidas pelo Brasil, houve uma variação do 4-2-4, pois o ponta Zagallo, quando o time perdia a bola, voltava para formar um trio no meio-campo (4-3-3). Rivellino fez o mesmo em 1970.

No dia seguinte à derrota para a Alemanha, eu, Gérson e Rivellino decidimos mudar o sistema tático, sem avisar o técnico Aymoré Moreira, campeão do mundo em 1962. Formamos um trio no meio, com Gérson, mais recuado e centralizado, eu, pela direita, e Rivellino, pela esquerda. Demos um show, e Aymoré foi bastante elogiado. Nas outras partidas, atuamos da mesma maneira, com bons resultados e atuações.

Jogamos também contra Portugal, em Moçambique, que era colônia portuguesa. Uma multidão não saía do hotel e corria atrás do ônibus da seleção, gritando: "Pelé, Pelé"! Não sabiam da ausência do Rei. Os empresários não devem ter dito, para vender mais ingressos. No jogo, o estádio estava vazio. O ingresso era muito caro. Os pobres africanos não viram a partida nem Pelé.

O mundo e o futebol se transformaram nos últimos 50 anos. Muitos pedem a volta do futebol brasileiro à sua essência. É um discurso sedutor, romântico e que dá audiência, mas fora da realidade. Além disso, o futebol arte, bem jogado, não acabou. Está presente nos melhores jogadores brasileiros na Europa, amparados por estruturas coletivas modernas, dos clubes e da atual seleção.

Vi muitos times e seleções excepcionais, mas poucos foram os revolucionários, que influenciaram a maneira de jogar de um país e do mundo.

A seleção inglesa de 1966 foi a primeira a formar duas linhas de quatro e dois atacantes, sistema cada dia mais atual, com muita velocidade e intensidade para a época. A brasileira de 1970, pelo talento individual e por ser o primeiro time brasileiro a defender e a atacar com muitos jogadores. A holandesa de 1974, o início da marcação por pressão por todo o campo, sem posições fixas. O Barcelona, dirigido por Guardiola, por priorizar a troca curta de passes, o domínio da bola e do jogo e o futebol bonito e eficiente.

Repito, a melhor estratégia é a que possui jogadores com mais talento. Um leitor acrescentou que, quanto melhor o conjunto, mais brilham os craques. Os dois conceitos se completam. Talento individual e coletivo precisam andar juntos.

O mesmo deveria ocorrer na sociedade. Temos de buscar nossos desejos individuais, com respeito às regras e necessidades coletivas. Somos apaixonados e racionais, ambiciosos e solidários. Somos humanos.

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