Nelson Rodrigues, com suas hipérboles e exageros, disse que um amigo, carioca, após caminhar por décadas pelo Rio de Janeiro, de repente levou um susto. Não acreditava no que via, um bondinho no alto, entre duas montanhas, se movimentava. Nascia o óbvio ululante, expressão usada com frequência pelo escritor.
Existe um grande número de óbvios ululantes pela vida que as pessoas não enxergam, por descuido e/ou porque não querem ver.
Era óbvio ululante o que tantas pessoas ignoravam, que o Brasil, por causa da imensa miséria e desigualdade social, era o país ideal para o vírus se espalhar. Nesta semana, com cem anos de atraso, uma vergonha nacional, foi aprovado, pelo Congresso, o projeto para levar saneamento básico a 100 milhões de pessoas.
O futebol está repleto de óbvios ululantes, como a presença do acaso, que Nelson Rodrigues chamava de Sobrenatural de Almeida. Na atual Liga dos Campeões da Europa, o Liverpool massacrava o Atlético de Madrid, e, no fim da partida, entrou um reserva no time espanhol, que fez dois belíssimos gols na prorrogação e eliminou o time inglês. Certamente, alguém deu uma ótima explicação tática para a virada do Atlético de Madrid.
É óbvio ululante que os times brasileiros priorizam várias estratégias ultrapassadas, como jogar com os zagueiros encostados à grande área, dividir o meio-campo entre dois volantes apenas marcadores e um meia ofensivo, deixar grandes espaços entre os setores, usar muitos chutões e cruzamentos para a área, trocar poucos passes e vários outros detalhes. Os treinadores não aceitam as críticas, não aceitam o óbvio ululante.
É óbvio ululante que os treinadores são muito importantes, mas há um tremendo exagero no prestígio dado a eles, com a justificativa de que o futebol é científico, programado e ensaiado. O sonho de muitos técnicos é acabar com o acaso e com a improvisação.
É óbvio ululante que o normal vai demorar muito tempo para voltar e que, por isso, os próximos campeonatos do Brasil precisarão ser realizados dentro do possível e com bom senso, para sobreviverem. Os estaduais deveriam ser esquecidos neste ano.
É óbvio ululante que, por causa da pandemia e do longo tempo parado, não houve boas condições para os jogadores e as equipes se prepararem bem para o Estadual do Rio. Só os comentaristas bonzinhos, que elogiam tudo, acham que o bom time do Volta Redonda mostrou uma estratégia inusitada de jogo, ainda mais que foi expulso, ainda no primeiro tempo, um jogador do Fluminense. Isso mudou tudo, embora o Fluminense seja um time limitado.
É óbvio ululante que marcar jogos do estadual do Rio com torcida presente, para o dia 10 de julho, mesmo com um terço da capacidade, é um grande absurdo. Testes rápidos feitos pelos atletas, antes das partidas, não dão nenhuma segurança, por causa de tantos falsos negativos.
Nesses cem dias de isolamento social, eu poderia ter aproveitado melhor o tempo, lido mais, aprendido coisas novas, como usar a tecnologia, o tal do Zoom. Com isso, poderia ter aceitado alguns convites para participar de algumas entrevistas e de videoconferências.
Tenho de terminar alguns livros que comecei a ler na quarentena e que ainda não terminei, como a releitura de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, e o delicioso “Tertúlias Quixotescas”, de sete escritores amadores de Belo Horizonte, apaixonados pela palavra.
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