Tostão

Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Pelé adorava ser Pelé

Diferentemente de muitas celebridades, que vivem em conflito entre o criador e a criatura, Pelé e Edson pareciam ser uma pessoa só

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Pelé, símbolo do futebol, estará sempre presente. Como alguém já disse, o símbolo é a presença da ausência. Mestre Armando Nogueira dizia que, se Pelé não tivesse nascido homem, teria nascido bola. O poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, falou que o difícil não é fazer mil gols como Pelé, mas sim fazer um gol como ele.

Pelé salta para cabecear a bola em partida contra o Benfica, em um dos jogos da final da Copa Intercontinental, no Maracanã, em 1962
Pelé salta para cabecear a bola em partida contra o Benfica, em um dos jogos da final da Copa Intercontinental, no Maracanã, em 1962 - Acervo UH - 19.set.1962

José Miguel Wisnik, no livro "Veneno Remédio", escreveu: "Pelé parece funcionar com a frequência diferente da dos demais jogadores, como se ele tivesse mais tempo para pensar e ver o que se passa, assistindo, em câmera lenta, ao mesmo jogo do qual está participando, em altíssima velocidade, enquanto os outros em torno dele parecem estar tantas vezes assistindo a um jogo em altíssima velocidade e jogando em câmera lenta".

Pelé possuía o que os neurologistas chamam de inteligência cinestésica, a capacidade de, em uma fração de segundo, mapear tudo o que está em sua volta e calcular a velocidade da bola, dos companheiros e dos adversários. Além disso, Pelé tinha um globo ocular saliente, para fora, o que aumentava sua visão periférica. Ele enxergava mais que os outros.

Pelé e Tostão em agosto de 1969
Pelé e Tostão em agosto de 1969 - Folhapress

Pelé, antes das partidas, costumava se deitar e fechar os olhos. Não sabíamos se ele dormia e se sonhava com os belos gols que faria. Ninguém podia importuná-lo, acordá-lo.

Só vi Pelé triste uma vez, junto a todos os outros jogadores, na volta, de ônibus, de Liverpool para Londres, onde pegaríamos o avião de volta para o Brasil, após a eliminação na fase de grupos na Copa de 1966. A tristeza era geral, uma decepção. Quatro anos depois, estávamos festejando o título mundial, no vestiário do estádio Azteca, no México.

O ser humano possui uma dependência do olhar e da aprovação do outro. A fama aumenta essa tensão. Diferentemente da maioria absoluta das celebridades, que vive, com frequência, em conflito entre o criador e a criatura, Pelé e Edson pareciam ser uma pessoa só. Pelé adorava ser Pelé.

A vida continua

Era o último dia do ano. O jovem jogador Carlos Osório, personagem ficcional e real, que, no passado, seria chamado de Cacá, com 35 anos, acabara de anunciar o fim da carreira, após jogar por uns 15 anos em vários clubes da Série A do Brasileirão. Era um bom jogador, sem nunca ter sido um craque. A gota d’água para a despedida foi o que escutou, em um debate esportivo, que era um ex-jogador em atividade.

Carlos Osório chegou em casa tenso, triste, com náuseas, com um enorme vazio. Pensou que deveria ser a profunda tristeza de que falam os poetas. Não sabia o que fazer da vida. Não estava preparado para aquele dia. Não sabia fazer outra atividade, não tinha estudado nem feito o curso para técnico da CBF, que custa muito caro.

Carlos Osório tinha ganhado um dinheiro razoável para comprar o apartamento onde morava e para guardar algumas economias, mas logo percebeu que, sem trabalho, o dinheiro acabaria rapidamente. A esposa passou todo o tempo cuidando da casa e dos dois filhos. Carlos Osório, nos momentos de folga, entre os treinos e um jogo, ficava envolvido com seu celular e lendo revistas de celebridades.

Lembrou que alguns ex-jogadores gostavam de ir a um bar, onde bebiam e contavam histórias do passado do futebol, às vezes, inventadas e/ou distorcidas. Não queria ser como eles. Olhou no espelho e chorou. Bebeu e dormiu. Acordou animado. Começava um novo ano. Lembrou de seus projetos. A vida continuava.

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