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Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Hoje, os grossos têm mais chances de enganar

Com espaço maior, os que não tinham talento mostravam rapidamente as deficiências

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Desde os anos 1960, uma das palavras mais utilizadas pelos comentaristas, treinadores, jogadores e torcedores, nas discussões dos botequins e, agora, nas redes sociais, é espaço, o excesso ou a diminuição.

Atacar o espaço e gerar espaço são expressões da moda que tentam explicar tudo, mesmo o que não tem explicação ou o que não faz sentido. Comenta-se muito que os jogadores do passado tinham mais espaço, o que facilitava a execução de grandes jogadas, o que é verdade. Por outro lado, com mais espaço, os que não tinham talento mostravam rapidamente as deficiências. Hoje, com menos espaço, os grossos têm mais chances de enganar, de confundir.

Quando um time avança o meio-campo e os zagueiros ficam colados à grande área, uma deficiência frequente dos times brasileiros, sobram espaços entre os dois setores para o adversário receber a bola livre, entre as linhas, outra expressão da moda. Quando o time avança em bloco para ficar mais compacto, para diminuir a distância entre o jogador mais recuado e o mais adiantado, surgem mais espaços nas costas dos defensores, o que obriga os goleiros a ficar atentos e a ser rápidos para fazer a cobertura.

Hoje, há menos espaço, o que também esconde deficiências - Rodolfo Buhrer - 2.nov.22/Reuters

Se uma equipe recua demais, em bloco, para fechar os espaços perto da área, uma estratégia frequente das equipes inferiores quando enfrentam as superiores, o time pressionado, quando recupera a bola, tem um longo espaço à frente para contra-atacar até chegar ao outro gol.

Os pontas dribladores e rápidos, muito valorizados no Brasil e em todo o mundo, atuam de maneira melhor quando encontram mais espaço. Os adversários, sabendo disso, reforçam a marcação pelo lado, como fez a Croácia, contra o Brasil, na Copa, ainda mais que os pontas brasileiros não tinham a ajuda dos laterais.

A justificativa de Tite de que não precisava ter laterais apoiadores, pois o time já tinha pontas, é uma meia verdade. Depende das circunstâncias. Tite confiou demais nos dribladores, no um contra um, outra expressão da moda.

Ao falar dos dribladores, eu me lembro do maior de todos, Garrincha. Havia uma ordem no Botafogo para nenhum companheiro atuar perto dele, para não o atrapalhar. O time trocava passes pelo meio e pela esquerda e virava a bola para Garrincha, que driblava o adversário, ia à linha de fundo e dava passes decisivos para o atacante fazer os gols.

Espaço me faz recordar também Xavi, quando atuava no Barcelona, sob o comando de Guardiola. Xavi gostava de dar um passe para um companheiro parcialmente marcado, próximo ao defensor, que tentava se antecipar. Ele chegava atrasado, e, em uma fração de segundo, a bola já era tocada para outro jogador do Barcelona, e, assim, sucessivamente, o time avançava, trocando passes rápidos, até o gol adversário. O Manchester City faz o mesmo.

Essa capacidade de desvencilhar-se do marcador e associar o espaço com o tempo, com a velocidade da bola e com a movimentação dos companheiros e dos adversários é uma grande qualidade dos maiores craques. Os neurologistas chamam isso de inteligência cinestésica. Freud diria que é o saber inconsciente. A pessoa não sabe que sabe. Armando Nogueira falava que era uma ação medular, sem passar pela consciência. Fernando Pessoa diria que muitas coisas não têm explicação, têm existência.

Parafraseando o poeta Manoel de Barros, a ciência pode classificar e mostrar as estatísticas, mas não pode explicar nem calcular os encantos de um grande craque.

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