Tostão

Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.

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Pouco se cria, quase tudo se repete no futebol brasileiro

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Durante a partida entre Flamengo e Botafogo, com a vitória do Flamengo por 1 a 0 e com um gol no último minuto, a minha impressão era a de que já tinha visto o jogo. O Flamengo era idêntico ao da partida contra o Vasco.

O confronto entre Flamengo e Botafogo estava tão ruim que dei uma cochilada. Quando despertei, não sabia se era Fla x Bota ou Fla x Vasco. O Botafogo e o Vasco usaram a mesma estratégia contra o Flamengo. Cada um dos três times, nos dois jogos, repetiu o posicionamento, a maneira de atuar, e fazia as mesmas jogadas.

Nos anos 60, as equipes e os jogadores brasileiros eram os mais criativos, surpreendentes, artistas da bola, enquanto os europeus eram mais disciplinados, repetitivos. Hoje, principalmente na comparação com os ingleses, é o contrário. Os ingleses surpreendem a cada partida, alternam a maneira de jogar e conseguem com frequência viradas espetaculares no placar, enquanto no Brasil as jogadas e estratégias são geralmente as mesmas. Pouco se cria, quase tudo se repete.

Pedro (à dir.) durante disputa de jogo em clássico entre Flamengo e Vasco pelo Campeonato Carioca
Pedro (à dir.) durante disputa de jogo em clássico entre Flamengo e Vasco pelo Campeonato Carioca - Paula Reis/Flamengo

No Brasil existe uma enorme adoração pela ciência esportiva, como se a verdade fosse única, como se o futebol não fosse um jogo de tantas incertezas. Repito, o conhecimento vai muito além da informação, e a sabedoria vai muito além do conhecimento.

O que diria a inteligência artificial após receber milhares de informações técnicas e táticas, antes e durante as partidas entre Flamengo e Vasco e entre Flamengo e Botafogo? Ela teria a mesma impressão dos comentaristas? Será que a inteligência artificial perceberia os detalhes emocionais e subjetivos de um jogo de futebol?

Uma coisa é certa. As opiniões da inteligência artificial não teriam erros gramaticais nem seriam influenciadas pelas oscilações de humor dos analistas.

Será que a inteligência artificial entenderia os chavões, os lugares-comuns e as terminologias usadas por técnicos e comentaristas de futebol, como "os extremos desestruturantes" citados por Tite quando ele se referia aos pontas dribladores e velozes? Será que a inteligência artificial compreenderia palavras e expressões como último terço do campo, lateral construtor, marcação alta, baixa e tantas outras?

As pessoas estão, progressivamente, mais dependentes da tecnologia e do celular. Desconfio que eu não tenha o gene da informática. Se não fosse a ajuda de pessoas próximas e queridas, seria expulso do planeta. Apesar da minha genética e da minha preguiça mental, sei a enorme importância que a tecnologia trouxe para a ciência, para o desenvolvimento pessoal e da sociedade, além de ser uma ótima distração, desde que não se transforme em um vício, uma compulsão, o que é hoje frequente.

A tecnologia faz o ser humano mais feliz? Penso que não. Por outro lado, ela não tem nada a ver com a angústia existencial do ser humano. A dependência da tecnologia é uma realidade sem volta. O ruim é a ansiedade do ser humano em querer se identificar com a máquina, incorporá-la, como se ela fizesse parte do corpo e da mente. É o que acontece quando alguém cria um personagem e os dois passam a ser a mesma pessoa.

A ciência não explica tudo, o que deixa o ser humano desamparado diante dos mistérios, dos perigos e da finitude da vida. Em um momento do filme "Zorba, o Grego", Zorba, um homem rude e apaixonado pela vida, pergunta ao seu patrão, um homem culto e triste, o que os livros (hoje seria o Google) falam sobre a vida após a morte? O patrão responde: "Os livros não têm resposta". Zorba retruca: "Então, seus livros não servem para nada".

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