Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu maternidade

De que vale investir nos filhos?

Qual o retorno de nossa infindável dedicação?

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O nome do surfista Gabriel Medina estampou recentemente o noticiário por duas razões: pela última façanha esportiva —ele foi tricampeão mundial de surfe— e pelo bem menos glamoroso barraco familiar. Mãe e padrasto, importantes na formação profissional do rapaz, estariam em disputa judicial com Gabriel pelos bens da empresa criada em torno do talento dele.

Outra notícia que chamou a atenção foi da jovem Nilcinádia Alves dos Anjos, que levou uma enxada em sua formatura para homenagear os pais agricultores. Duas cenas nas quais fica claro que o suporte e dedicação da família foram fundamentais na trajetória dos filhos, mas cujos desfechos soam bem diferentes. Nilcinádia, médica recém-formada, começa a trabalhar no sul do país, torcendo para ajudar os pais um dia, para quem o enorme orgulho e reconhecimento social parecem ser prêmios suficientes.

Homem de boné sorrindo e mulher de regata preta sorrindo
O surfista Gabriel Medina e sua mãe, Simone - @simonemedina no Instagram

No tiroteio de acusações e disputas pela grana dentro da família Medina, chama atenção a ascendência do casal sobre as escolhas pessoais do filho. Tema antigo, que nove entre dez estrelas do pop agenciadas pelos pais conhecem bem: investir na prole como quem investe no mercado de ações.

Shirley Temple, Michael Jackson, Britney Spears, Amy Winehouse, o bebê que faz publi porque fala difícil, inúmeros são os exemplos de um tipo de arranjo nos quais a família se organiza em torno do talento dos filhos. O risco óbvio aqui é de que ao crescer e buscar se emancipar dos pais, o filho acabe por abalar a estrutura familiar e seja deserdado, internado ou desprezado. Também corre-se o risco de ter o eterno garoto/a que nunca fica adulto/a.

Lembremos que nem sempre a liberdade de escolha da prole foi tida como um valor. Essa é uma aquisição da modernidade que alguns tentam driblar por meio de sedução afetiva e manipulação da culpa dos filhos.

Investimento é uma palavra cara para a psicanálise, mas, ao contrário da bolsa de valores, trata-se do quanto temos que entrar de corpo e alma na relação parental. Gestados ou não pelos responsáveis, filhos exigem uma dedicação encarnada e um apaixonamento únicos na vida. Vigília constante, amor, sustento material são necessidades básicas do filhote humano, infinitamente mais demandante do que qualquer mamífero sobre a Terra.

Não há desejo de filho que não venha acompanhado de um projeto: que seja homem/mulher, que seja lindo/a, inteligente, forte, bem sucedido, feliz, sucessor, cuidador, companhia, mão de obra, enfim, que corresponda a alguma aspiração para cada pai/mãe. Não nasceu o sujeito que não estranhe a si mesmo, que dirá ao outro. Filhos estão fadados a nos contrariar em maior ou menor grau e nós estamos fadados a respeitar a alteridade que eles nos impõem.

No investimento amoroso dos pais não cabe o ressarcimento nem financeiro, nem a penhora do desejo dos filhos. Quando se exige isso deles, os resultados vão da alienação total ao desejo dos cuidadores, e correspondente esmagamento da subjetividade do filho, à ruptura violenta, tão passional quanto foram as relações de aprovação iniciais.

Então, o que resta esperar do infindável investimento amoroso? O mesmo que se espera de qualquer relação amorosa: que seja boa enquanto dure. Com uma diferença. Oxalá dure por toda a vida dos pais!

Depois de os pais entrarem com o corpo, com o tempo, com o amor e uns trocados, resta esperar que os filhos agradeçam por lhes permitirem que sejam (o que quiserem/puderem). E que os filhos, por sua vez, se responsabilizem pelo que vieram a ser.

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