Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Eleições 2022

Hoje é 'o outro dia'

Hoje, eleitor, você é quem manda

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quase metade do país está lamentando o resultado das eleições, enquanto a outra metade está exultante. O tamanho da comemoração é proporcional ao empenho de campanha e às ameaças à democracia a que assistimos durante o pleito.

Que a parte perdedora faça o luto do resultado é o que mais se aspira no momento, pois o luto é o processo psíquico que se segue ao reconhecimento de uma perda. Tem sofrimento, tem raiva e frustração, mas é o trabalho do luto e seu desfecho que permitem que sigamos adiante, apesar de tudo. Na falta disso, estamos condenados à melancolia, à violência e a outras patologias.

O vencedor tem todo o direito de celebrar, e é bom mesmo que faça a catarse da ansiedade que assolou o país, fruto de violências que acompanharam essa eleição. A própria indeterminação, que durou até o último instante, é causa de sofrimento. Se algo pode servir de consolo para todos, é o fim desse suspense. Sabendo o resultado, seja qual for, podemos nos posicionar diante dele e seguir.

Presidente eleito Lula comemora a vitória nas urnas ao lado de seus correligionários
Votar em Lula nessa eleição não foi assinar um cheque em branco para ele - Nelson Almeida/AFP

Há muito a se dizer sobre o que recolhemos das urnas de 2022, e a digestão desse processo está longe de acabar, mas o perigo que nos espreita é a desmobilização. A reconstrução do país, sua recolocação na esfera internacional, a repactuação democrática, os enormes desafios sociais, econômicos e políticos, a retomada do exercício do diálogo republicano são parte do gigantesco trabalho que nos aguarda.

Engana-se quem pensa que o luto está só do lado daqueles cujo candidato não foi o escolhido. Se continuarmos a idolatrar figuras políticas, quaisquer que sejam, e a apostar num salvador, eximindo-nos da nossa parcela como cidadãos, a decepção será tão ou mais nefasta do que foi em 2018.

O país será entregue ao novo governo em condições lastimáveis em todas as áreas. E os que lucram com a desgraça do país, ao mesmo tempo em que reclamam da precariedade nacional, permanecem à espreita. Se as promessas de campanha nos entusiasmaram e nos trouxeram até aqui, não é com elas que devemos seguir em frente. Agora se trata do exercício político de conciliação, cientes de que o conservadorismo e a intolerância não foram criados pelo discurso bolsonarista. Eles são parte significativa da nossa história e mentalidade, sendo apenas instrumentalizadas por seu maior representante em um momento de fragilidade social. Bolsonaro só teve o execrável mérito de aglutinar sobre suas falas a nossa pior versão.

Votar em Lula nessa eleição não foi assinar um cheque em branco para ele, longe disso. Para muitos, foi uma concessão em nome da democracia, passando por cima das preferências pessoais. Entre os responsáveis por sua eleição, muitos não comungam de suas ideias nem sequer o apreciam. Para que o voto pela democracia se reverta em voto pelo governo que assumirá em 2023, teremos que redobrar nossa aposta na nossa ação política crítica e conciliatória.

Merecemos e devemos comemorar, mas na condição de que reconheçamos que o jogo da democracia é aquele no qual, a longo prazo, todos saem ganhando. Rubem Alves usava a metáfora do frescobol para descrever as relações amorosas que valem a pena. Nelas, o sonho de cada um está representado pela bola e o objetivo é não deixá-la cair. A aposta é de que todos tenham direito a sonhar e, mais importante, que cada um colabore com a realização do sonho dos demais.

No dia seguinte, haja o que houver, permanecemos sendo mais de 210 milhões de pessoas.

E é isso que está escrito no cheque que entregaremos ao próximo governo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.