Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Psicanalistas pela democracia

Leitores de Freud não podem alegar que não sabem o que está em jogo nesta eleição

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Voltou a circular um vídeo de menos de dois minutos no qual eu e Christian Dunker explicamos por que psicanalistas não deveriam votar em Bolsonaro. As falas são categóricas e foram gravadas na véspera das eleições de 2018. A partir daí, ouvimos todo tipo de questão sobre o lugar da política na psicanálise e do psicanalista na política, algumas bem preocupantes.

A obra-prima de Freud "Psicologia das Massas e a Análise do Eu" foi retomada como se tivesse acabado de ser publicada, tão atual se revelou. Só para recordar, Freud, tentando compreender a ascensão do autoritarismo na Europa, demonstra como, diante de uma crise aguda, parte significativa da sociedade faz apelo a um pai mítico, cuja onipotência a livraria do caos. Identificados como irmãos, uma vez que compartilham o mesmo mito, abrem espaço para a eliminação dos que não comungam de suas ideias e que lhes servem de bode expiatório.

Pessoas reunidas no largo São Francisco, no lado de fora da Faculdade de Direito da USP, antes da leitura dos manifestos pela democracia, em agosto de 2022 - Eduardo Knapp - 11.ago.2022/Folhapress

Lembremos que o texto é de 1921, logo após a Primeira Grande Guerra, mas muito antes de que se pudesse imaginar que parentes, vizinhos e amigos seriam retirados de suas casas e arrastados para campos de concentração, torturados e mortos por serem judeus, ciganos, homossexuais, adversários políticos ou simplesmente desafetos. Discursos de ódio, cenas de racismo e intolerância, injustiça e violência encampadas pelo Estado não se mostraram sinais suficientes para que o cidadão do bem reconhecesse o trágico rumo que as coisas tomavam.

Em "Casta: as Origens de Nosso Mal-estar" (2020), Isabel Wilkerson explica como a segregação racial norte-americana oficializada pelas leis Jim Crow e o sistema de castas indiano serviram de modelo para o nazifascismo europeu e para o apartheid sul-africano. Os modelos têm suas próprias circunstâncias e requintes de crueldade, mas a base é a mesma: somos todos iguais perante Deus, alguns são mais iguais do que outros. Os "menos iguais" encarnam o mal. Os "mais iguais" entendem que são melhores e que as injustiças sociais nada mais são do que um misto de desejo divino, mérito pessoal e sorte. Gênero, raça ou papai rico não participam da conta, claro.

O argumento mais pernicioso desta eleição é a ideia de que se trata da livre escolha entre dois candidatos, cada um com seus defeitos e qualidades. É falsa simetria o nome dessa argumentação. O jogo seria simétrico se fosse jogado no mesmo campo, com as mesmas regras. O campo comum, obviamente, seria o da democracia e das regras republicanas.

Já temos mostras suficientes de como cada candidato lida com a gestão pública, ninguém pode fingir ser forasteiro aqui. Mas, acima de tudo, temos exemplos inequívocos de como lidam com a própria democracia. Bolsonaro testou todos os limites da complacência social ao premiar a brutalidade policial, enaltecer o torturador Ustra, omitir-se diante da morte de centenas de milhares de pessoas durante a pandemia, de perseguir jornalistas, ameaçar os outros Poderes, enaltecer a ditadura e expor sua incontrolável escatologia. A lista é gigante e segue crescendo. Saiu ileso de todas essas barbaridades e poderá multiplicá-las, se for reeleito.

Não me interessam, absolutamente, os argumentos contra Lula/PT –eles existem e alguns são razoáveis–, porque não é disso que se trata aqui. Trata-se de reconhecer o que significa cidadania e democracia para cada um de nós, uma vez que já vimos como cada candidato lida com ambas.

A luta contra o autoritarismo, seja de direita ou de esquerda, está no DNA da psicanálise. Não há o que justifique um psicanalista fazer coro com o horror.

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