Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Fies Enem

Mídias sociais têm sido os interlocutores das crianças

É ali que encontram seus pares e informações, da pior e da melhor qualidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cadê o filhinho que vinha correndo pro colo do papai e da mamãe na saída da escola como se tivesse voltando de um ano de intercâmbio? Que falava tanto que os adultos tinham que pedir um tempo? Ou talvez fosse do tipo caladão, mas permanecia ao alcance de mais uma pergunta a ser respondida laconicamente.

Pois é, foi-se.

Com a chegada da adolescência e suas portas fechadas e olhos revirando nas órbitas, desconfiamos que nunca mais teremos afinidade com as crianças. Jovens se isolarem dos adultos não é nenhuma novidade, é fato esperado para quem tem como missão se emancipar. A diferença enfrentada pelos pais hoje é que agora há um armário de Nárnia ao alcance de cada criança, através do qual ela se projeta em um mundo infinitamente maior —e mais obscuro— do que o proporcionado por um gravador, walkman, televisão ou similar genérico das gerações anteriores.

Governos têm tentado regular o uso das mídias, que se transformaram no grande interlocutor das novas gerações. É ali que o jovem encontra seus pares, obtém informações —da pior e da melhor qualidade—, se educa e adoece.

Logotipo do TikTok - Dado Ruvic - 7.nov.19/Reuters

Na esperança de recuperar a ligação com as crianças e evitar os danos já fartamente comprovados à sua saúde física e mental, pais e legisladores propõem abordagens que vão da proibição total até a regulação das redes feita pelas próprias big techs.

As opiniões se dividem entre tratar as mídias como drogas a serem totalmente banidas da infância, de um lado, e sua utilização eficientemente moderada, de outro. A primeira solução desconsidera que há ganhos no uso mediado das redes pelas crianças e que soluções radicais tendem a fracassar. Resta saber se ameaçar as empresas com o risco de perderem seus consumidores mais vorazes pode ser estrategicamente eficiente para que se mexam em busca de soluções de fábrica, inseridas no bojo do produto.

Parece que saímos da inércia negacionista ou derrotista em direção a soluções e responsabilizações da sociedade e, principalmente, dos criadores desses produtos. Estamos diante de uma longa batalha, capaz de unir democratas e republicanos norte-americanos em prol das novas gerações.

Vencida a batalha, teremos nossos filhinhos de volta? De volta da zumbiland que se tornaram as redes? Com sorte, sim. Mas de volta ao diálogo é outra coisa.

Pais e mães, mas também avós e professores, se queixam da dificuldade de conversar com o adolescente e estão cobertos de razão. Mas o que geralmente esquecem é de se perguntar o quanto estão dispostos a escutá-los ou se se propõem ao velho truque do "senta que lá vem história", que o jovem fareja de longe.

Ouvir seus sofrimentos, por vezes tolos ou excessivos, suas reivindicações injustas ou impraticáveis, não é fácil para aqueles que vivem em função de cuidar da vida do reclamante. Tomando para si a tarefa impossível de fazer o filho feliz e satisfeito, fica difícil escutar seus sofrimentos, medos e anseios, infundados ou não.

Chamar um filho para conversar é, muitas vezes, sustentar um silêncio angustiante diante das interpretações e escolhas ingênuas de quem nos é mais caro. É descobrir o quanto apostamos neles para sustentarem seus dilemas sem nós. Tarefa das mais árduas e gratificantes a que se propõem os cuidadores.

A criança que corre em direção aos pais na porta da escola não sabe ainda do que eles são feitos. A que abre a porta do quarto para eles está prestes a descobrir.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.