Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente

Desde quando os adultos passaram a temer a adolescência dos filhos?

Os perrengues dos pais das gerações Z e Alpha

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Hoje se diz que "o melhor da adolescência é que ela acaba", mas já houve tempo em que esse período não era considerado problemático. A passagem da infância para a vida adulta se dava num empurrão mais ou menos sem dó e foi apenas no século 20 que a coisa mudou de figura. Com os tempos alargados de espera e preparação para entrada em um mundo com pouca capacidade de absorção dos jovens, a adolescência tornou-se interminável e motivo de apreensão para os pais. A coisa tomou tamanha proporção que, no primeiro acesso de birra do filho aos dois anos, os pais já se perguntam como farão para encarar as crises adolescentes.

Pais e mães das gerações Z e Alpha formam, por sua vez, uma geração marcada pelas falsas expectativas quanto às suas funções. Entre elas: não frustrar, não contrariar, não deixar sofrer, não tolher talentos, tudo explicar —se certificando de que a criança entendeu as razões dos limites— e agradar os filhos a todo custo tem sido a cartilha da educação que a mídia vende.

Para aqueles que abraçam essa causa impossível, todo o processo de separação e emancipação dos filhos gera uma contradição insuperável. Das birras da infância à bateção de porta adoleta, o rumo à independência não orna com a busca por agradar os filhos.

Jovens em show da banda P9, em São Paulo - Leticia Moreira - 15.nov.14/ Folhapress

Na contramão dessa falsa mentalidade, o que se espera de fato dos adultos é que sejam firmes o suficiente para aguentar ser odiados e odiar por impor as cobranças que lhes cabem impor sem que isso resulte em culpa excessiva ou demonstrações inaceitáveis desse ódio. Para isso eles têm que abrir mão da recompensa narcísica que o bebê e a criança pequena costumam oferecer aos cuidadores. Não importa o quão falhos sejam os pais nesses primórdios, dificilmente a criança será capaz de reconhecer isso e tenderá a adorá-los muito além de seus méritos.

Não é fácil ver aquele olhar apaixonado se transformar em olhar fulminante ou virado nas órbitas. Dá para termos uma ideia então de como a função de se separar —que implica em tirar os cuidadores do lugar idealizado— fere as expectativas dos pais atuais e os deixa frustrados e temerosos, supondo que se eles se esforçarem mais com eles seria diferente.

Mas a meta real é que as crianças aprendam a nos odiar sem nos desrespeitar e que saibam que nosso amor não acaba por isso. O mesmo valendo para o reconhecimento do nosso ódio por elas —que não tem direito a expressão violenta. Quando se aspira jogar isso para debaixo do tapete, só teremos culpa, dificuldade de comunicação e ciclos de raiva e frustração.

Adolescência é um período que pode renovar os mais velhos e trazê-los para perto da atualidade, das novas formas de pensar. Mas para isso os adultos não podem ficar muito assombrados com os nativos digitais, com ChatGPTs e outras tecnologias que virão. A ideia aqui é que possamos nos aproximar das crianças com abertura e curiosidade o suficiente para que elas se sintam confiantes para compartilhar aquilo que é específico da geração delas.

Reprodução do clipe 'L'anima Mavi', de Francesca Badalini - Francesca Badalini no YouTube

Como nos lembra o psiquiatra e psicoterapeuta Darius Leskaukas em ensaio sobre os zoomers ("Generation Z – everyday living with an auxiliary ego"), existe apego real entre o jovem e as mídias, uma vez que elas funcionam desde a mais tenra idade como verdadeiros egos auxiliares. Nesse sentido, as tecnologias, que tudo respondem, registram e intermedeiam, concorrem com a função de pais.

Mas, sobre o desejo, o amor e a história que nos trouxe ao mundo, a virtualidade não tem nada a dizer. Portanto, pais e mães, por menos que entendam da virtualidade, só ficarão anacrônicos se não forem capazes de reconhecer seu valor, que está na exata medida de serem apenas humanos.

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