Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Mente Todas

Por que arbitramos sobre a beleza feminina?

Não raro, homens julgam mulheres cuja aparência está anos-luz da deles

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O feminismo é uma revolução pacífica na qual o território em disputa é o corpo da mulher, seja cis ou trans. O escrutínio sobre as formas femininas revela uma guerra em curso, pois mais do que emitir uma opinião pessoal —nunca solicitada— sobre como uma mulher deve aparentar, os árbitros da plástica alheia estão afirmando que têm o direito sobre ela. Direito de julgar, de pontuar e de condenar. Se o corpo da mulher está sob julgamento, é para deixar claro que ele não é inteiramente dela, mas de domínio público.

Gérard Depardieu nunca foi um homem bonito, mas seu talento e seu charme são colocados em primeiro lugar. A idade e a obesidade tampouco ajudaram a melhorar o sex appeal do ator. No entanto, década após década, seus pares românticos em filmes continuam a ter 20 anos e 60 quilos menos do que ele. Qual a mensagem escancarada na escolha dessas atrizes? Idade e beleza no homem são contingentes e na mulher são obrigatórias, dito de outra forma, o corpo de um homem vale mais do que o de uma mulher.

O recém-lançado "Pobres Criaturas" (2024) carrega nas tintas para apresentar Bella, personagem cujo desejo e liberdade somados à absoluta inocência colocam em xeque o frágil discurso machista. Mark Ruffalo e Emma Stone estão ótimos como um atônito Don Juan subjugado pela suposta vítima. Bella, ao tentar entender as motivações masculinas, escancara um jogo de dominação cuja inconsistência é flagrante. Os homens que se virem com isso.

Arbitrar como uma mulher deve vestir, gesticular, falar, os procedimentos estéticos que deve ou não fazer decorre da mesma lógica que visa arbitrar se ela deve consentir ou não no sexo, colocar um DIU ou fazer um aborto. Tudo emerge da convicção de que a mulher não é inteiramente dona de si, devendo estar à disposição da sociedade para satisfazê-la ou reproduzi-la.

Jodie Foster, Annette Bening, Diane Keaton são estrelas que fizeram carreira em Hollywood, mas que optaram por não fazer procedimentos, envelhecendo de forma escandalosamente natural diante das câmeras. Pamela Anderson causou furor ao aparecer no Paris Fashion Week sem maquiagem. Certamente o maior "nu" da história recente do evento.

Pamela Anderson no Fashion Awards, no Royal Albert Hall, em Londres - Maja Smiejkowska - 4.dez.23/Reuters

Elas não devem servir de modelos do que deveríamos fazer, pois se trata justamente de pararmos de seguir modelos impostos e começarmos a quebrar expectativas sobre como deveríamos ser. Seu mérito está em não se dobrarem ao escrutínio público, de escolherem se, quando e como querem lidar com a própria aparência.

Cada um que guarde para si a opinião sobre o corpo feminino. Não temos existência fora desse corpo e criticá-lo é fazer supor que não servimos como pessoas. Prova disso são estudos que demonstram como as expectativas quanto à autoimagem têm adoecido, mutilado e matado jovens meninas à nossa volta.

O modelo de beleza feminino é feito para ser inalcançável e isso não é acidental. A idealização serve para que fique claro que estamos em falta e que nada que fizermos será suficiente, nos condenando a implorar por aprovação. Isso nos coloca em uma experiência de inadequação e dependência perenes.

Paradoxalmente, mulheres podem ser algozes de outras mulheres. Isso ocorre quando, ao se identificarem com a régua masculina, invejam as que se aproximam dela ou as que se permitem ignorá-la.

Sentir-se tão autoconfiante quanto um homem branco cis é a meta de mulheres que buscam entender de onde vem tanta autoestima. Não raro, homens se sentem no direito de julgar mulheres cuja aparência está anos-luz da deles.

Raposas ressentidas, ao se verem diante do cacho de uvas inalcançáveis, as tacham de verdes ou, talvez, maduras demais.

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