Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli
Descrição de chapéu Todas Mente casamento

A questão do amor tem que ser respondida por toda nova geração

Mas não muda a nossa urgência de amar mais e melhor

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Amar é uma condição existencial da nossa espécie. Não que as outras criaturas sejam indiferentes ao laço afetivo —longe disso. Mas, seres incompletos que somos, dependemos do amor para nos tornarmos humanos. Um gato separado do bando continua sendo um gato, mas um filhote humano precisa ser amado e cuidado por semelhantes para se tornar um.

Se o amor é imprescindível entre nós, sabe-se, no entanto, que as formas de amar variam enormemente, a depender do momento histórico e do local, pois nos constituímos dentro da subjetividade de uma época.

A ideia de que nosso eu se organiza com autonomia e independência é tão falsa quanto a imagem do Papai Noel criada pela Coca-Cola nos anos 1930.

A subjetividade de uma época, segundo o psicanalista Sidi Askofaré, é o caldo de condições sociais, culturais, políticas e econômicas nas quais um sujeito singular se constitui. Além disso, a combinação entre o núcleo familiar originário e nossas competências resulta na pessoa única em que nos tornamos.

Mulher segura bandeira com os dizeres 'amar é um direito de todos'
Hanna Korich, 67, advogada e ativista cultural, na Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais de São Paulo - Gabriela Caseff - 1º.jun.24/Folhapress

Daí que a ideia de amar, que nos é tão cara, é ditada por estruturas distantes daquelas atribuídas ao "músculo cardíaco" de cada um. Amamos a partir de aspirações e fantasias inconscientes, atravessadas pelos ditames de nossa época.

Como fica, então, o amor em tempos de pandemias, de redes virtuais, de neoliberalismo, de lutas antirracistas, de conquistas feministas, de derrocada ecológica, de crise mundial da democracia, de avanço dos direitos LGBTQIA+, de declínio da saúde mental, de migração em massa, de controle biopolítico, de descolonização, de conflitos mundiais?

Quem não se perder na rabugice, fruto do medo de ver suas escolhas de vida confrontadas, reconhecerá que as novas gerações têm que se virar com um mundo diferente do seu, no qual o futuro se mostra improvável e o presente se impõe.

Haverá água e temperatura que nos permitam viver? Com questões perturbadoras como essas, fica difícil se projetar no sonho da casa própria, da aposentadoria ou mesmo de ter descendência. Os laços precisam fazer sentido no aqui e no agora. E não apenas aqueles que constituem casais. O interesse pelas relações fraternas toma a frente, podendo o sexo fazer ou não parte desses encontros.

Sexo, reprodução, amor e família perdem as frágeis conexões nas quais as gerações anteriores depositaram suas esperanças, dando espaço para que o cuidado se torne palavra-chave. Cuidado de si, do outro e do planeta, pensado em termos cooperativos, não privados. "Lute como quem cuida", slogan usado durante a pandemia, é a aposta aqui.

No sentido contrário, a ansiedade diante da perda iminente pode ser tão avassaladora que as ligações se tornam pouco investidas, descartáveis, antecipando o fim. A geração que está chegando encontra um mundo diferente daquele no qual nos constituímos e cria sua própria maneira de responder a isso.

Nós demos a nossa resposta e falhamos do nosso jeito, eles terão que falhar do jeito deles, uma vez que não há resposta final para as relações. Mas há diferentes apostas. Antes de criticá-los, é necessário escutar suas razões e dialogar sobre nossas diferenças.

Novos mundos pedem novos amores. O que não muda é nossa urgência de amar mais e melhor.

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