Sim, mas não agora
Leandro Narloch
A controvérsia recente sobre uma nova Constituição tem provavelmente um motivo eleitoral. Quando o PT fala em criar condições para uma Assembleia Constituinte exclusiva, provoca a ira dos antipetistas e os empurra para Bolsonaro —um adversário mais fácil para Haddad no segundo turno. Como ensinou o trem-bala, proposta de Dilma em 2010, não vale a pena prestar atenção no que políticos falam durante a campanha.
Mesmo assim, o assunto é interessante. A atual Constituição teve seu papel ao afastar o fantasma da ditadura, estabelecer as bases da democracia e a independência dos poderes. Mas quando foi criada, um ano antes da queda do Muro de Berlim, predominava a crença de que a prosperidade e o fim da pobreza surgiriam pela via política, e não pela economia.
Os constituintes acreditavam que leis (e não o crescimento da produtividade, do número de empresas e empregos) garantiriam direitos. Criaram, assim, um conto de fadas em forma de Constituição, uma ladainha que supostamente protege os direitos fundamentais, mas na prática não protege nada.
Quando leio o artigo 6º, por exemplo, tenho vontade de deixar de trabalhar e entrar na Justiça para exigir que o governo me forneça “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.
Nossa Carta extrapola a função básica que os constitucionalistas defenderam no Brasil no século 19 —a de garantir a liberdade e a propriedade dos cidadãos frente aos desmandos dos governantes. Chega a entrar em detalhes como a proibição de empresas jornalísticas estrangeiras no país. A Constituição de 1988 espelha o Brasil: é confusa, cheia de ilusões e interesses ocultos.
Mas é difícil pensar em Assembleia Constituinte na tensão atual da política brasileira. Com Haddad ou Bolsonaro na Presidência, a tentativa de mudar a Carta só aumentaria a polarização e conturbação no país.
Não é hora de testar os limites
Pablo Ortellado
No trigésimo aniversário da Constituição de 1988, as duas principais candidaturas a presidente pretendem promover um novo processo constituinte. O general Hamilton Mourão, candidato a vice na chapa de Jair Bolsonaro, disse, em palestra, que a Constituição deveria conter apenas “princípios e valores imutáveis” e que uma nova Constituição poderia ser feita por um “conselho de notáveis”, sem ter necessariamente a participação de representantes “eleitos pelo povo”.
O programa de governo de Fernando Haddad (PT), por sua vez, traz a intenção de “criar as condições” para convocar “uma Assembleia Nacional Constituinte” a partir do diagnóstico de que é necessário “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República”. Em entrevista, porém, Haddad esclareceu que a intenção é que o processo constituinte viabilize as reformas política e tributária, por exemplo.
As duas propostas parecem perigosas e inoportunas, embora em graus muito diferentes.
A proposta do general Mourão, que diz ser sua posição pessoal e não necessariamente da candidatura, sinaliza um desprezo pelos processos democráticos. Uma Constituição redigida por notáveis, designados pelo Executivo, é muito autoritária, mesmo se o texto depois for submetido a referendo.
A declaração fica ainda mais preocupante se lembrarmos que o mesmo general já especulou, em entrevista, sobre a hipótese de um “autogolpe” e que Jair Bolsonaro já disse que pretende aumentar o número de juízes do STF para poder ter no plenário uma maioria “de isentos” indicada por ele.
A proposta do plano de governo de Haddad não parece, em comparação, tão grave, mas preocupa. Se busca apenas implementar as reformas política e tributária, não se entende porque as mudanças não possam ser feitas por meio de emenda constitucional.
Se a intenção, no entanto, é limitar a atuação do Judiciário ou do Ministério Público, a ideia não parece prudente. Tudo o que não precisamos agora é testar os limites.
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