É secretário de Redação da Folha. Foi editor de Opinião (coordenador dos editoriais) e do caderno 'Mundo'.
Escreve às segundas-feiras.
Ataque deixa Trump mais republicano
Alex Brandon/Associated Press | ||
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante coletiva de imprensa sobre o ataque do país contra a Síria |
A simples menção ao nome de Donald Trump entorpece o pensamento nesse ambiente envenenado de maniqueísmo.
Proponho um exercício: tente imaginar o que os três últimos presidentes americanos eleitos pelo Partido Republicano –Reagan e os dois Bush– teriam feito se fossem confrontados com a situação atual. Teriam ordenado o ataque à Síria.
Hillary Clinton, se estivesse na Casa Branca, provavelmente teria feito o mesmo. Até Barack Obama, para redimir-se do vexame com a bravata da "linha vermelha", teria boas chances de retaliar militarmente o ditador Assad pelo uso reincidente de armas químicas contra civis.
De volta a Trump, dadas as estratégias dos outros jogadores, lançar mísseis contra Assad era a sua melhor opção, a que lhe traria mais benefícios que custos.
No front doméstico, trata-se de uma declaração de amor aos princípios cultivados pela elite do Partido Republicano, a mesma que Trump atropelara na campanha e com a qual trocou tiros no início do governo, por exemplo na fracassada tentativa de implodir o chamado Obamacare.
O ataque, se for sucedido de ações coerentes (o que é sempre uma incógnita em se tratando de Trump), tende a enterrar a hipótese extrema de impeachment, que poderia advir das investigações sobre a mais que suspeita aproximação entre a campanha trumpista e o governo russo.
Na arena internacional, muitos apostam em mais instabilidade, dentro e fora do Oriente Médio, com a entrada de uma nova variável na caótica situação síria, se é que uma escalada militar americana ocorrerá de fato. Mas ninguém deveria descartar as duas hipóteses restantes: a) que as coisas continuem mais ou menos onde estão; b) que a resultante seja um equilíbrio maior entre as potências militares remanescentes.
A ação de Trump de início reaglutina os tradicionais aliados ocidentais, basta notar o pronto endosso da Europa, do Japão e da Turquia ao ataque americano.
O neoexpansionismo russo encontra resistência com a qual não contou nos últimos oito anos. A própria China pode ser instada a dedicar mais esforços para conter as traquinagens nucleares da aliada Coreia do Norte, diante do reforço fático às ameaças de Washington a Pyongyang.
Todo o problema com Trump, seja para os cálculos domésticos americanos, seja para as expectativas internacionais, é a sua imprevisibilidade. Ele não age, não fala nem pensa, em média, como uma liderança republicana típica.
Pois nesse episódio ele pensou, agiu e se comunicou como um republicano típico. O risco maior é ter sido apenas um impulso passageiro.
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