Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Biruta de Bolsonaro causa paralisia

Candidato descobre agora políticas públicas e amolda programa vago a pressões da realidade

Nos dois meses entre a eleição e a posse, sobra tempo para o presidente eleito virar do avesso suas falações de campanha. Foi o que fez Dilma Rousseff, com os resultados conhecidos.

Favorito para vencer no domingo (28), Jair Bolsonaro insinua-se como um caso particular desses revertérios. Não se sabe bem o que nele é avesso e direito, qual é o lado de dentro e o que está por fora de seu programa, ao menos no que diz respeito à economia.

O candidato Jair Bolsonaro (PSL) recebe camiseta do lutador de jiu-jítsu Robson Gracie (esq.) no Rio de Janeiro
O candidato Jair Bolsonaro (PSL) recebe camiseta do lutador de jiu-jítsu Robson Gracie (esq.) no Rio de Janeiro - Carl de Souza/AFP

A inversão dos planos de Dilma Rousseff provocou choque de confiança econômica e queimou seu prestígio, descréditos que minaram as bases políticas e os acordos sociais necessários para a implementação de qualquer programa. O resultado ruinosamente certeiro de sua reviravolta deveu-se à clareza do seu estelionato eleitoral.

É inverossímil que Bolsonaro possa repetir tal proeza, mas por motivos ruins. É implausível que o candidato do PSL, eventualmente eleito, declare-se adepto das políticas de Dilma 1 ou, mais condizente com sua carreira, do programa de Ernesto Geisel —sim, é sarcasmo.

Bolsonaro parece descobrir apenas agora o que talvez deva ou possa pensar sobre, por exemplo, política econômica ou relações internacionais. Está perdido entre seu miolo estatista e corporativista e a casca fina de liberalismo que vestiu a fim de inventar sua candidatura.

Quando negou a ideia de criação de uma CPMF, por exemplo, nem sabia do que estava tratando seu economista-chefe. Praticamente discutia com um meme, seu universo habitual de debates.

Mais recentemente, tem mudado de ideia a cada trombada com as pressões do mundo real. Há quem diga que se trata de uma estratégia esperta de desinformação ou de criação proposital de nevoeiro de guerra. A impressão que dá é a de um turista acidental no mundo das políticas públicas.

Nesta quinta-feira (25), disse que o Brasil não vai abandonar o Acordo de Paris, tratado de controle de gases de efeito estufa, que criticara e que havia sido denunciado por um ajudante de ordens, que o chamou de papelucho excrementício.

As ideias conspiratórias de seu círculo íntimo sobre acordos internacionais causaram péssima impressão em líderes informados do agronegócio, quase todos bolsonaristas.

A película liberal do candidato prevê a contenção do Estado, o que demanda reforma da Previdência e, no meme bolsonarista, caça aos marajás. No entanto, Bolsonaro diz que é preciso defender direitos adquiridos.

É preciso abrir a economia, base de qualquer conversa liberal, mas os capitães da indústria nacional impressionaram o capitão da extrema direita, pregando abertura mui lenta, gradual e segura, de preferência administrada pelo Ministério do Desenvolvimento e da Indústria, do qual Bolsonaro pretendia dar cabo.

Assim foi também com privatizações e investimentos estrangeiros. Os pilares da sabedoria liberal são abalroados pelos caminhões dos lobbies por direitos especiais e proteções.

Sabe-se lá o que será Bolsonaro, caso eleito. Sabe-se lá se será massa de modelar ou manobra de lobbies, se sua falta de informação e convicções econômicas é que determina a inconstância.

Embora, por definição, assim não possa cometer estelionato eleitoral, sua biruta de ideias também pode causar degradação, o efeito incremental de muitas incertezas localizadas e variadas. Não tende assim a causar um choque, de início, mas pode provocar paralisia por acumulação de dúvidas e descréditos.
 

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