Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Teto de gasto racha, governo se perde

Pibinho, gente na rua e inépcia do governo mudam até ventos do debate econômico

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Alguma coisa acontece no coração quando a gente chega à encruzilhada que dá numa recessão. Mais ainda quando se notam as notícias de maio:

1) o teto de gastos do governo começa a trincar. Admite-se aqui e ali a ideia de rever o congelamento da despesa federal antes da data prevista, 2026;

2) a rachadura é um efeito do desespero que bate na praça, dada a frustração até das expectativas reduzidas de crescimento da economia;

3) o governo não tem controle algum do que se passa no Congresso e não parece capaz ou preocupado de formar coalizão majoritária;

4) medidas do presidente são barradas por inépcia intelectual, jurídica e política;

5) o presidente está mais perturbado do que de costume por causa da investigação das contas de seu clã e, em especial, de seu filho Flavio.
 

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O presidente Jair Bolsonaro (PSL) - Pedro Ladeira/Folhapress

Economistas-padrão, ditos "ortodoxos", passam por um processo que em inglês tem o nome sugestivo de "soul searching", o que se traduz de modo mais chocho por "exame de consciência" ou "análise introspectiva". A retomada do crescimento deu chabu além da conta razoável dos erros de estimativa, mesmo considerados choques recentes. O pessoal está, pois, em terapia.

A conversa sobre taxas de juros altas demais entrou no debate corriqueiro de economistas reputados. Um ou outro admite até que se reveja a proibição de aumentar a despesa do governo federal além do nível registrado em 2017. A mesma conversa rola pelo Congresso desde o início do mês, muito mais animadamente por lá, é claro.

O objetivo das mudanças seria permitir um aumento do investimento público e, segue o argumento, estimular algum crescimento. Mesmo com a aprovação da mudança previdenciária, não haverá dinheiro para o governo gastar mais em obras nos próximos muitos anos.

Enfim, o teto está rachando porque o plano deu errado. Seria um sufoco quase impossível mantê-lo até 2026 mesmo se a reforma previdenciária tivesse sido aprovada em 2017 e se o crescimento tivesse voltado como previsto. Nada disso aconteceu. O teto perdeu pilares.

A condição estrita para essas mudanças de política macroeconômica (juros, gastos) seria, claro, a aprovação de uma reforma dura da Previdência. Ainda assim, a conversa mudou. Não quer dizer que rever o teto seja viável, econômica ou politicamente.

Primeiro, a revisão do teto exige mudança constitucional. Segundo, os economistas de Bolsonaro são adversários convictos dessa ideia. Terceiro, a ideia de mexer no teto ainda é muito minoritária e anátema. Quarto, o plano em si não é trivial, para dizer o mínimo.

Mais gasto com investimento implica, pelo menos de início, mais déficit e aceleração do crescimento da dívida pública. Assim, o efeito imediato do gasto extra poderia ser aumento do risco-país, desvalorização da moeda e, pois, alta de juros no mercado, o que anularia o efeito do aumento de gasto. A mera menção de um projeto de revisão do teto pode causar pânico financeiro.

Além do mais, para fazer diferença, o aumento da despesa federal em obras teria de chegar pelo menos a meio ponto do PIB (uns R$ 40 bilhões): o dobro do gasto previsto para este ano. O governo teria projetos bastantes e de qualidade?

No entanto, começam a soprar outros ventos políticos no debate da política econômica, as ruas rugem um pouco e a descrença na capacidade do presidente se dissemina, assim como o sentimento de "ninguém aguenta mais".

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