Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Retomada econômica do Brasil pode ter forma de anzol e peixe podre na ponta

Maio foi melhor do que se esperava, mas epidemia longa e corte de gasto são risco

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Os resultados de indústria e comércio de maio foram melhores do que o horror esperado. Abril teria sido o fundo do poço, diz o chavão. Não teremos uma recuperação em forma de “V” (como a linha de um gráfico com queda e subida rápidas e de mesmo tamanho). Quem sabe, porém, tenhamos uma retomada em forma de anzol, um “U” com a perna direita interrompida pela metade, sem saber se na ponta haverá um peixe ou um pedaço de pau podre.

O anzol já está desenhado nas projeções dos economistas do setor privado. Na média, estima-se que o PIB caia 6,5% neste ano e cresça 3,5% em 2021. Ou seja, não recupera nem metade da produção ou da renda perdidas neste ano de calamidade. Entre os otimistas, os economistas do Itaú calculam que a taxa de desemprego ainda seria de mais de 16% em 2021, bem mais que o dobro da média dos anos de 2012 a 2015. Para piorar, é improvável que a qualidade dos empregos novos seja melhor do que os bicos da pífia recuperação desde 2016.

Ainda estaríamos em um poço fundo. No fim de 2021, o PIB ainda seria uns 6% menor que em 2014 e a renda (PIB) per capita 11% menor. Voltaríamos à pobreza de 2019 apenas no final de 2022. Além do mais, a tese do anzol depende de premissas otimistas, otimismo nos termos de “o mercado”.

Peixe azul de brinquedo preso em anzol
Recuperação em forma de anzol já está desenhado nas projeções dos economistas do setor privado - Eduardo Knapp/Folhapress

Pressupõe-se que o governo vai cortar cerca de meio trilhão das despesas extras deste ano, o grosso delas sendo a soma auxílios emergenciais, complementação de salários e ajuda a estados e municípios. A atividade econômica vai compensar, por si só, tamanho talho na capacidade de consumo?

Os economistas do Bradesco calculam que, em maio de 2020, a renda disponível (salários e benefícios sociais) era 16% MAIOR que em maio de 2019, graças aos auxílios. Nos meses anteriores à crise do vírus, essa diferença em relação ao ano passado era de 7% (tudo em termos nominais: sem descontar a inflação). Quanto vai durar o efeito dessa complementação?

É possível que exista consumo represado e capacidade de consumir estocada (poupança). Famílias remediadas e ricas deixaram de consumir por precaução ou impossibilidade (não gastam em restaurantes, viagens, serviços pessoais etc.). É evidente também que o consumo caiu mais do que os rendimentos.

Parte dessas precauções e impossibilidades não vai desaparecer tão cedo, dada a epidemia longa e mortífera do Brasil.

Houve outras melhoras, decerto, como nas ditas “condições financeiras”. As taxas de juros básicas (no atacado de dinheiro) estão baixas ou contidas. O preço das commodities que sustentam nossas contas externas, o complexo agropecuário-extrativista e seus fornecedores subiu bem desde o tombo de março e estão em nível mais do que razoável, dada a catástrofe mundial.

O dólar está longe dos R$ 4,30 de fevereiro, a R$ 5,3, mas não explodiu além dos R$ 5,90; o risco Brasil (medido pelo CDS) não voltou ao nível historicamente baixo de fevereiro, mas melhorou. A dinheirama que o mundo rico colocou na praça e seus juros negativos persistentes devem ajudar a manter também baixas as taxas por aqui, tudo mais constante.

Resumo da ópera: 1) Não sabemos como a economia vai se comportar com o talho no gasto público, a epidemia duradoura e os problemas decorrentes; 2) As condições sociais ainda vão piorar, dados o desemprego e o corte de auxílios; 3) Na ponta do anzol pode aparecer a complacência na política econômica, “vida que segue”, como na quase estagnação de 2017-2019.

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