Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Mesmo antes da praga do vírus, economia tinha um bode morto na sala

Faz pelo menos quatro anos que vivemos o mesmo problema da retomada econômica

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Em 2022, aliás ano do bicentenário da independência, o PIB per capita deve ser equivalente ao de meados de 2010, se tudo der certo. Em fins deste 2020, devemos ter a renda média de 2008. Uma dúzia de anos perdida.

Para encerrar este ano com uma queda de “apenas” 5,4% do PIB, como prevê a média dos economistas, o país precisa crescer uns 6% neste terceiro trimestre e 4,5% no trimestre final do ano. São números fortes e, estranhamente, não lá muito compatíveis com as previsões para 2021. Mas passemos. Além dessas aritméticas, o que temos pela frente?

Suponha-se, primeiro, que não ocorra aberração política maior, o que é uma premissa forte. Seria conveniente prestar atenção ao quê?

A redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 mensais nos quatro meses finais do ano deve tirar uns R$ 85 bilhões da renda das pessoas (considerada a média da despesa do último bimestre e descontado o Bolsa Família), o equivalente a 1,2% do PIB. Pesado. Vai ter fome.

É possível que um auxílio de R$ 600 por mês até o final do ano causasse ruídos no mundo financeiro, alta de juros, o que teria um efeito contraproducente, mas isso é especulativo. De qualquer modo, parte da perda de renda será atenuada por alguma despiora econômica. Parte pode ser compensada pelo aumento do consumo represado pela pandemia, pois a taxa de poupança teve um aumento relevante. De resto, o setor externo (exportações menos importações de bens e serviços) está dando uma forcinha. Mas o talho do gasto público, em grande parte inevitável, irá muito além do corte nos auxílios. Vai chegar a quase meio trilhão de reais.

Muito do futuro imediato da economia depende também de: 1) recuperação do setor de serviços, em particular de certos comércios e de serviços pessoais e às famílias (comer fora, hotéis, salão de beleza, saúde e educação privadas, profissionais liberais etc.); 2) coragem de gastar em bens caros (como carros); 3) expectativas e possibilidades de investimento (em instalações produtivas, casas, infraestrutura, máquinas, equipamentos etc.).

Os dois primeiros itens dependem do tamanho e da duração da epidemia. O terceiro está prejudicado pela enorme capacidade ociosa da economia e depende da expectativa de que o país possa voltar a crescer, uma quimera desde 2015.

Além de divulgar o PIB do segundo trimestre, o IBGE revisou também para baixo o resultado do primeiro, que foi um desastre, dado que a devastação do vírus apenas começava. Mesmo sem a praga, a economia crescia muito pouco. A ideia de que estava decolando era desvario.

Em tempos de tamanha capacidade ociosa e com o PIB catatônico mesmo com o remédio dos juros perto de zero, é preciso que a economia pegue no tranco, ao menos para recuperar perdas de curto prazo. É necessário investimento em coisas como infraestrutura, que venha de desembolso público ou privado. Não há nem um nem outro. Por ora, não há perspectiva de que esse governo vá conceder obras bastantes, menos ainda antes de 2022. Dado o teto, não haverá dinheiro para investimento público nem com talhos politicamente muito difíceis em outros gastos do governo. Acabar com o teto de despesas, sem mais nem menos, também vai dar besteira.

O problema da retomada econômica ainda é em tese o mesmo de 2020 (pré-vírus), 2019, 2018 e 2017, mesmo que se fizessem “reformas”. A diferença é que estamos mais arrebentados, na alma, no corpo e no bolso, e com a política em ruínas. Faz pelo menos quatro anos, a gente finge que não vê esse bode morto na sala.​

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