Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Rússia

A guerra pelas bordas de Putin e a economia do Brasil

Rússia pode ter meios de bancar sanções e prolongamento da crise na Ucrânia

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As retaliações do "Ocidente" contra a Rússia divulgadas até agora não devem tirar o sono do Vladimir Putin, que talvez nem durma. Quem sabe seja um Vampiro Highlander movido a venenos energéticos da defunta, mas viva, KGB.

Além da piada, e daí? Se Putin pode aguentar as sanções, pode ainda por muito tempo comer a Ucrânia pelas bordas e, assim, manter o salseiro na política e na finança do "Ocidente".

Se por mais não fosse, isso nos interessa, habitantes do extremo ocidente, periferia do mundo, do Brasil. Para contínua e quase geral surpresa, o real e a Bolsa continuam a se valorizar, a subir dos buracos profundos onde a epidemia, a dívida e Jair Bolsonaro haviam jogado os preços dos ativos financeiros do país.

Manifestantes pró-Rússia celebra o reconhecimento das repúblicas em Donetsk
Manifestantes pró-Rússia celebra o reconhecimento das repúblicas em Donetsk - Alexander Ermotchenko/Reuters

Até quando dura esse amor do dinheiro pelas xepas financeiras do Brasil? Quanto pode durar com uma crise fervendo baixo e por tempo considerável na Ucrânia? Até quando pode durar, dado que teremos alta de juros nos EUA a partir do mês que vem e campanha eleitoral mais séria a partir de abril?

A ameaça de guerra não fez coceira na calmaria financeira do Brasil, relativa e recente, é bom lembrar. Mas convém não descuidar do rolo na pobre Ucrânia.

Joe Biden disse que "cortou" o financiamento da Rússia nos Estados Unidos. Não é bem assim. Instituições financeiras americanas não podem comprar dívida nova do governo russo faz algum tempo; agora, não vão poder negociar títulos de dívida no mercado secundário. Não há sanção à vista para empresas privadas (fora aquelas que façam mutreta com Putin, financiem guerra, assassinato, envenenamento etc.).

Apenas um sexto da dívida externa russa é do governo (e equivale a 5% do PIB, US$ 80 bilhões); no mais, é privada. As empresas têm tido e terão mais dificuldade de se financiar e refinanciar, decerto.

Falta de acesso a crédito externo novo pode dar problema, a médio prazo (como uma desvalorização do rublo, entre outros). Mas a Rússia tem superávit externo (mais de 2% do PIB) e US$ 600 bilhões de reservas. Aguenta o tranco; Putin, um autocrata, aguenta ainda mais, a não ser que a elite russa (militares, oligarcas) tenha poder de botá-lo para fora, coisa do que o "Ocidente" não parece fazer a menor ideia.

Se Putin pode pagar para quase anexar um pedaço da Ucrânia (parte das republiquetas separatistas de Donetsk e Lugansk), talvez tente ver quanto custa outro lance de audácia temerária. E a crise se arrasta: petróleo mais caro, talvez trigo, milho, soja e óleo de cozinha também, mais inflação. Rússia e Ucrânia têm peso nos mercados mundiais de grãos e de alguns metais também, para nem falar na energia, claro.

O mercado financeiro americano já está malparado. Inflação, gasolina cara, fiasco no Afeganistão e peitadas de Putin derrubaram e derrubam o prestígio de Joe Biden, de resto. O que vai fazer de mais drástico?

Sanções que ameacem o fornecimento de gás e petróleo para a União Europeia podem dividir os europeus, pois a dependência da energia russa e a capacidade de financeira de aguentar trancos é variada. Há, pois, pelo menos risco de haver opiniões diferentes do que fazer com os russos.

Se não se meter em um conflito aberto de grande escala, um risco e um custo enormes, Putin pode levar a guerra de fricção adiante. Não é uma previsão, é uma hipótese, uma situação que pode causar danos mais relevantes na economia mundial.

Sem estratégia e sem instrumentos ou armas para dissuadir a Rússia sem causar estrago geral, para si inclusive, o "Ocidente" talvez tenha de tourear Putin por muito tempo, com os estragos previsíveis. Essa conta chegaria também à nossa porta.

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