Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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O golpe de Bolsonaro não virá: apenas continua

Elemento que ocupa a Presidência desativa instituições e pode delinquir no cargo

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O golpe de Jair Bolsonaro está em curso pelo menos desde o início de 2020. Ficou explícito na reunião ministerial de 22 de abril daquele ano, como se viu no vídeo publicado por ordem do STF. O progresso golpista está evidente no fato de que um delinquente como Bolsonaro pode cometer crimes de responsabilidade em série e impunemente. Nem sequer é processado por isso.

Agora, gente de Brasília diz que pedidos de processos contra o mais recente vomitório antidemocrático não apenas vão dar em nada, bidu, como não é conveniente que deem em alguma coisa. No momento, segundo essa tese, seria como dar trela à conversa de que há uma conspiração, uma tentativa de cassar a candidatura de Bolsonaro, um temor real e declarado do elemento que ocupa a cadeira de presidente da República.

Isto é, no fim das contas, melhor deixar quieto, em uma espécie de resignação tática.

O presidente Jair Bolsonaro (PL)
O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Adriano Machado/Reuters

No entanto, assim, a campanha golpista progride, a situação política se degrada e o caminho fica aberto para a próxima tentativa de arruinar a democracia. Tudo se passa como se, não havendo propriamente institucionalização do golpe (uma ordem autoritária formalizada), a ordem democrática não se desvanecesse. Mas se desvanece. Bolsonaro, ao menos até agora, opera por meio da desativação das instituições da democracia, de Estado etc.

A Procuradoria-Geral da República não existe para os fins a que se destina. A Polícia Federal foi desarticulada. Com outros objetivos imediatos, a Saúde, a Educação, o Ibama, a Funai, a Receita, o Coaf ou o Itamaraty fossem lobotomizados ou transformados em órgãos de propaganda.

O Congresso se tornou um instrumento de partido, no sentido amplo, do centrão. Sim, é óbvio que maiorias governistas votam com o governo. Mas o Congresso sob a regência do centrão-bolsonarismo se tornou um instrumento de desmonte ou apropriação do Estado, do vale-tudo, da avacalhação legal, do regimento legislativo à Constituição.

Para se manter no cargo, Bolsonaro entregou à Câmara o que resta de aparência de governo, que, nas mãos de Arthur Lira (PP-AL) e outros cúmplices, é um meio cru de eternização no poder.

Se diz por aí que não haverá golpe no sentido estrito. Primeiro, porque as Forças Armadas não teriam interesse ou teriam receio de se apoderar de um país dividido ou não seriam mais adeptas de ditadura à moda antiga. Segundo, porque os próprios parlamentares não teriam interesse em desmoralizar as urnas que os levaram ao Congresso ou temem a perda de poderes em uma ditadura "tout court".

Suponha-se, por mero exercício otimista, que as coisas sejam simples assim. Bolsonaro não tem escrúpulo algum e prosseguirá em sua campanha golpista.

Caso seja capaz de algum cálculo racional, pode desistir de quarteladas ou de sublevações populares violentas caso esses ataques subversivos não tenham poder suficiente de dar a Bolsonaro o que ele quer. Mas a fedentina da chantagem, da ameaça, empesteia cada vez mais o ar.

Na última hora, Bolsonaro pode tentar trocar a ameaça de baderna por um acordão, com o Congresso, com o Supremo, com tudo. O delinquente e seus cúmplices generais sairiam impunes, anistiados, em retirada, para reorganizar tropas e voltar ao ataque assim que possível.

Os generais "legalistas" barganhariam a continuidade da boquinha rica e a tutela militar permaneceria, um pouco como ocorreu no início da dita Nova República, que estaria ainda mais morta nesse estado de sítio eternizado, sob a ameaça permanente da horda huna bolsonarista impune.

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