Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Bolsonaro corrompeu 7 de Setembro, mas quem leva tanta gente para a rua?

É um Brasil novo ou com novo poder, feito de uma gente largada por décadas na periferia

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O olhômetro é precário, mas a avenida Paulista do 7 de Setembro bolsonarista de 2022 parecia ter pelo menos tanta gente quanto o comício golpista de 2021. Era gente do povo, com cara de metrô lotado às seis da tarde, um tanto diferente daquela que pedia a cabeça de Dilma Rousseff em 2016.

Jair Bolsonaro corrompeu a coisa pública a fim de se apropriar da data nacional, levar multidões às ruas, ocupar quase sozinho o tempo de cobertura jornalística e fazer vídeos de campanha. Teve sucesso.

Bolsonaro poderia, pois, ser objeto de vários processos de crime eleitoral, se houvesse Procuradoria-Geral. Provavelmente não dariam em nada, como tem sido o caso nestes últimos quatro anos, dos pedidos de impeachment que apodrecem no Congresso aos inquéritos que mofam no Supremo. A delinquência de Bolsonaro faz parte da paisagem política. Um sucesso.

O presidente Jair Bolsonaro em ato político na Esplanada dos Ministérios
O presidente Jair Bolsonaro em ato político na Esplanada dos Ministérios - Gabriela Biló/Folhapress

O candidato do PL, o partido nacional-mensalista, começou o dia dizendo que 1964 pode se repetir. Fez campanha por meio da TV estatal, aquela que prometera fechar em 2018.

Em mais um ato de apropriação indébita, sequestrou a parada do 7 de Setembro em Brasília para fazer comício sobre um trio elétrico (quem pagou?), cumprindo a mera formalidade de não usar o palanque oficial ao lado.

Na parada de Brasília e nas piruetas aeronavais do Rio, militares eram coniventes com a corrupção institucional. No desfile brasiliense, houve ainda desfiles de escolas militares e até uma ala de "homeschooling".

Como o estado de depravação social e política tornou-se natural, as classes falantes e políticos oficiais diziam que os discursos foram moderados. Foram o parlapatório iletrado e cafajeste de costume, com ameaças golpistas nas entrelinhas.

Na história dos discursos políticos do país, haverá a falação de um castrado mental a se jactar de ser "imbrochável" e a pedir que o eleitor compare as "primeira-damas" (essa ideia tola e antirrepublicana), dando preferência a uma "princesa" "de Deus".

Como em uma alegoria medieval, personificações da política das trevas acompanhavam Bolsonaro nos comícios: o empresário ultradireitista, o líder do partido pentecostal brucutu, o militar de catadura medonha, o agro ogro de chapéu.

Isto posto, Bolsonaro ora tem 32% dos votos no primeiro turno e 42% dos votos válidos em um segundo turno contra Lula da Silva (PT). É o único político e o único programa que levam multidão para as ruas.

Parte do movimento é financiado por empresários e associações empresariais. Parte é de comitês da "sociedade civil", como se via e ouvia na avenida Paulista. Muitas famílias, muita criança, com a cara sofrida da maioria pobre ou menos do que remediada do país, passeavam por lá como em um domingo no parque, ameno. Os fanáticos se aglomeravam em torno dos caminhões dos golpistas, mas eram minoritários.

É um Brasil novo ou com novo poder, feito de uma gente largada por décadas na periferia, que inventou uma religião nova, um cristianismo sem Novo Testamento, que teme drogas; de homens com medo e/ou raiva da diversidade humana. Feito do mundo do agro, de tanto empresário do interior ou do pequeno negócio e dos políticos religiosos insatisfeitos com o Estado e o naco de poder que tinham até agora. Em parte, feito de gente cansada de não ver, na prática, muita diferença entre partidos ou governos.

Foi um Brasil que se formou enquanto elites culturais de São Paulo e Rio fantasiavam seu país de acordo com a moda intelectual alienada do momento, quando não pura besteira ideológica. Bolsonaro foi o cavalo e catalisador dessa reação. Passou encilhado, o povo montou e vai aos montes para a rua.

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