Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

O Natal de 2002 de Lula 1 e o feliz Natal de 2023

Breve história de fantasmas de Natais passados e de anos novos perdidos na economia

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A manchete desta Folha na véspera do Natal de 2002 era o anúncio completo do ministério de Lula 1. O assunto maior daquele dezembro era outro. Havia frustração e fúria contra o anúncio da política econômica "tucano bis" de Antonio Palocci.

Agora, a crítica contra a persistência do antigo regime tem o sinal trocado, baseada na suspeita de que Lula 3 possa ser uma variação de Dilma 1. Não importa o sinal, a conversa ainda é a mesma. A situação é muito pior.

Lula apresenta futuros ministros em Brasília - Evaristo Sa - 22.dez.2022/AFP

Por volta de 2007, Lula desistiu de aprofundar o programa de conserto das contas públicas e de uma reforma tributária. Em parte, foi assim porque Lula apanhava de uma oposição arrependida de não ter pedido o seu impeachment e furiosa com a derrota de 2006.

Teria sido mudança profunda, assim como o foi a esquecida solução para o problema das contas externas, que se deu no governo Lula, por um tanto de competência e outro de sorte (mudança na economia mundial, China etc.).

Endividado em dólar, com déficits ruins nas transações com o exterior, o Brasil vivia crises periódicas de escassez de moeda forte, quando então tinha de pedinchar ao FMI. Era uma desgraça histórica, como essas que ocorrem na Argentina em média a cada três anos.

Nunca mais voltamos a falar de crise de financiamento externo. Em vez disso, nos dedicamos a cultivar crises no nosso jardim: dívida pública doméstica excessiva que resulta em altas de juros e risco de inflação desembestada.

É possível dar um jeito nessa crise que começou a se desenhar em 2013, piorada por azares e por barbárie política. Mas a situação de 2022 é muito pior do que a de 2002.

Em 2002, o governo federal gastou o equivalente a 15,1% do PIB, com receita de 17,4% (superávit primário de 2,3%). Em 2022, deve gastar 18,3% do PIB, com receita de 19,2%, um superávit mandrake de 0,9%, fruto de receitas extraordinárias e de represamentos picaretas de gastos do governo de trevas (2019-2022).

A situação é pior porque está difícil, em termos políticos e econômicos, aumentar a carga tributária, embora seja inevitável fazê-lo, de preferência eliminando favores para classe média, ricos e empresas protegidas.

Está difícil conter despesas, embora seja inevitável fazê-lo (bis). De 2002 a 2022, o gasto aumentou em 3,2% do PIB. Cresceu 2,1 pontos na Previdência (INSS), 0,6 ponto em BPC (benefícios para idosos e pessoas com deficiência pobres), 0,9 ponto para o Bolsa Família etc.: "tudo pelo social".

Está difícil falar de problema fiscal. Quem o faz é tido como sociopata, um idiota perverso da elite ou da "Faria Lima" (de fato grossa e perversa, mas esse é outro assunto). Enfim, pouca gente trata de como acelerar o crescimento econômico.

Lula 3 e seu culto falam sem parar de "incluir os pobres no Orçamento". Lula 1 dizia que viria o "milagre do crescimento". Não foi lá milagre, mas veio e foi o maior responsável por tirar tanta gente da pobreza, não o "Orçamento". Mesmo triplicando a despesa com o Bolsa Família (de 0,5% do PIB na última década para 1,5% do PIB em 2023), haverá muita miséria.

O PIB de 2022 vai ser um tico maior do que o de 2014: década perdida. Sem terraplanismo econômico (pior de 2012 a 2014) e barbárie política (pior de 2015 a 2022), não teria sido difícil ter crescido uns 20% desde 2014. Estaríamos em outro mundo, embora ainda pobres, sujos e malvados.

É possível ter políticas econômicas diferentes, alternativas, mas não essas burrices em torno das quais giramos faz décadas, entre elas a de achar que não há problema em pagar juros indecentes a ricos por um endividamento equivocado, fora de hora e sem limite.

Mas ainda dá para ter um feliz Natal em 2023.

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