Descrição de chapéu América Latina inflação

Argentina tem dura realidade econômica, na contramão da Copa do Mundo

Apesar do brilho da vitória, inflação no país aproxima-se dos 100% no fim do ano

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Rodrigo Campos Belen Liotti
Nova York e Buenos Aires | Reuters

A aposentada Gregorina Victorica, 86, de Buenos Aires, comemorou a vitória da Argentina na Copa do Mundo de futebol, que elevou o ânimo do país e trouxe alegria para a população duramente atingida pelo aumento dos preços e as dificuldades econômicas.

Apesar do brilho da vitória em uma final dramática contra a França, porém, a realidade é preocupante, com a inflação chegando a 100%, rígidos controles de capital, quase 40% de pobreza e temores de mais inadimplências no horizonte.

"A Copa do Mundo é uma alegria imensa que nos reanima, depois de tanto tempo sofrendo com a crise econômica", disse Victorica. "Mas logo teremos que cair na realidade e enfrentar as situações que nos sobrecarregam todos os dias."

Desfile da vitória da seleção da Argentina após a vitória na Copa, em Buenos Aires - Martin Villar - 20.dez.2022/Reuters

A vitória emocionante da Argentina, a primeira desde que Diego Maradona ergueu o troféu em 1986, levou milhões às ruas na terça-feira (20) para aplaudir o time comandado pelo astro Lionel Messi. Foi uma válvula de escape para as frustrações com os líderes que há anos não conseguem aprumar a economia.

A multidão nas ruas era tão grande e delirante –com algumas estimativas de quatro a cinco milhões de pessoas– que o desfile do ônibus aberto teve que ser interrompido, e os jogadores foram transferidos para helicópteros para sobrevoar a cidade.

Mas na nebulosa ressaca da festa da vitória os argentinos estão voltando à terra. O país, que é um grande produtor de grãos e já foi um dos mais ricos do mundo, registrou inflação anual de 92,4% em novembro. A taxa básica de juros é de 75%.

Questões de impressão de dinheiro, o peso artificialmente supervalorizado e baixas reservas estrangeiras estão se agravando. Os investidores temem que o ministro da Economia, Sergio Massa, nomeado para consertar as coisas em agosto, não esteja fazendo reformas políticas suficientes, de olho nas eleições gerais no final do próximo ano, que o governo teme perder.

"Massa está apenas tentando jogar fácil, está desesperado para não fazer nenhum ajuste significativo antes das eleições de 2023", disse Ted Mann, analista sênior de ações de mercados emergentes na AllianceBernstein.

"Com Massa, os argentinos são extraordinários postergadores. São melhores nisso do que Messi chutando bolas."

'O CHUTE DE QUE PRECISAMOS'

Alguns argentinos estão mais otimistas.

"A Copa do Mundo nos dá esperança e vontade de acreditar", disse Osvaldo Hassan, 62, comerciante em Buenos Aires. "Pode ser o chute de que precisamos para formar um consenso e levar a economia adiante."

Camila Gotelli, 25, que trabalha com marketing, disse que a vitória "histórica" pode impulsionar a Argentina atraindo mais turismo, criando empregos e elevando o perfil global do país.

As vitórias na Copa do Mundo podem dar um pequeno impulso à economia de um país nos meses seguintes, ajudando a aumentar as exportações, segundo concluiu um artigo acadêmico da Universidade de Surrey, no Reino Unido.

Em curto prazo, também poderá dar um impulso ao presidente de esquerda Alberto Fernandez. Sua popularidade caiu devido ao impacto da pandemia de Covid-19 e dos problemas econômicos, apesar de ter fechado um novo acordo de US$ 44 bilhões (R$ 230,6 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional este ano.

"Para mim, isso vai beneficiar o governo por alguns dias, porque as pessoas estão distraídas", disse o comerciante Carlos Zarate, 63, acrescentando, porém, que assim que o verão acabar "a realidade vai bater".

No mês passado, a agência de classificação Moody's criticou o país, citando o aumento da dívida do banco central como um risco para a estabilidade financeira. A S&P cortou ainda mais a classificação dos já problemáticos títulos em moeda argentina para o território "junk".

Graham Stock, estrategista sênior da BlueBay Asset Management, vê o potencial de mudanças econômicas positivas serem desencadeadas pelas eleições do próximo ano, quando estará em jogo uma mudança de governo depois que a coalizão governista perdeu feio as eleições de meio de mandato no ano passado.

As mudanças econômicas não aconteceriam da noite para o dia, porém, e precisavam que todos contribuíssem, não apenas o time de futebol, disse a professora primária María Belén Pereyra, 32.

"Comemoramos porque nos representa como país, mas este foi o sacrifício de cerca de 30 pessoas", disse ela. "Para que a economia mude, todos precisamos fazer um esforço."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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