Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Quem ganha e quem perde com o plano de carro popular de Lula, que mal existe

Governo não fez as contas do custo de subsidiar automóveis, que não beneficia pobres

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou o seu programa de carro dito popular. O desconto chegaria a até 11%. Assim, os carros mais baratos viriam a custar R$ 61 mil, o equivalente a 21 meses do salário médio nacional ou a 46 meses de salário mínimo.

O governo avisou que o plano ainda terá de passar pela avaliação do Ministério da Fazenda. Não se sabe, pois, qual o tamanho do subsídio (dinheiro de impostos) que será dado a quem comprar carro. É improvável que o ministro Fernando Haddad diga a Lula "esquece, não tem dinheiro". Mas causa consternação que nem o governo saiba de custos e benefícios (que vão além de dinheiro).

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do vice presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin (esquerda), e do ministro da Fazenda Fernando Haddad (direita), durante reunião com representantes do setor automotivo, no Palácio do Planalto.
O presidente Lula e outros ministros se reuniram, no Palácio do Planalto, com representantes do setor automotivo, nesta quinta-feira (25), antes de anunciar medidas para reduzir preços de carros à imprensa - Pedro Ladeira/Folhapress

Esqueça-se por ora que políticas de subsídio para carros são fracassadas em termos econômicos, tecnológicos, ambientais e sociais. Dê-se uma olhada em certos números do negócio.

Cerca de 50% dos domicílios brasileiros tinham um carro em 2019, dado mais recente do IBGE. É razoável especular que não são as casas mais pobres. A mera observação da desigualdade regional da propriedade automobilística dá uma pista das diferenças.

No Nordeste, havia carros em cerca de 29% dos domicílios; no Norte, 27,7%. No estado de São Paulo, 63,4%. Em Santa Catarina, 75,3%. No Mato Grosso do Sul, 60,5%.

Difícil dizer quanto vai custar o "Mais Carros". Considere-se que o desconto de preço será o da média da faixa de redução de impostos, que as vendas aumentem na mesma proporção dessa baixa de preços e que se leve em conta o emplacamento em abril dos dez carros mais baratos (dados da Fenabrave).

A coisa poderia custar uns R$ 200 milhões por mês. Em um ano, mais de R$ 2 bilhões, desconsiderada uma variação de vendas por outros motivos. É uma conta no guardanapo. Aliás, só o varejo terá desconto? Quase metade das vendas são diretas, para frotas de empresas, por exemplo. Terão desconto?

Dada a enormidade dos gastos do governo, mais de R$ 2 trilhões neste ano, parece ninharia. Não é bem assim. O governo estima que deve ter déficit de R$ 136 bilhões neste ano. Pelo plano do arcabouço fiscal, o déficit seria de R$ 50 bilhões. Por uma estimativa anterior de Haddad, de R$ 100 bilhões. Seja qual for a conta, o ministro terá de cortar gastos ou aumentar a arrecadação de impostos em pelo menos R$ 36 bilhões. Quem paga a conta?

O pico recente da produção trimestral de carros foi em outubro-dezembro de 2022 (520 mil). De fevereiro a abril, foram 422 mil. O número de empregos diretos nas montadoras ficou na mesma, cerca de 101 mil trabalhadores. A indústria trabalha com capacidade ociosa de uns 40%. Se tudo der certo, haveria um ganho marginal em negócios conexos. Talvez aumente um pouco a oferta de carros usados. Mas considere-se que a taxa média de financiamento de carro está em quase 29% ao ano (ante 21% de março de 2019).

Esse plano do carro popular é versão demagógica e mais caricata dos primeiros ensaios de política industrial do governo, que acaba de anunciar empréstimos mais baratos do BNDES para indústria e exportadores —em parte menor, pode até ser boa coisa, mas faltam detalhes. No passado recente, houve erros ou desastres.

Enfim, o governo se contradiz com esse plano de subsídios e incentivos à atividade econômica de curto prazo. Perde dinheiro, mas promete superávits. Cria mais subsídio setorial, o contrário da proposta reforma tributária e da tentativa de Fazenda e Planejamento de reduzir tais benefícios. Vai na contramão da política monetária (de juros, do Banco Central) de reduzir a atividade, pois expande o gasto de modo indireto (para nem falar da expansão direta e grande). O ministro Haddad vinha dizendo que é preciso conciliar política monetária e fiscal. Hum.

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