Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Cartão de crédito, Mais Geladeiras e o programa 'pop' de Lula

Presidente dá sinais de impaciência e cobra medidas de efeito popular, várias ineficazes

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Faz alguns meses, governo, BC (Banco Central) e bancos dizem conversar sobre o que pode ser feito de taxas de juros, como a do cartão de crédito, em especial do rotativo, de 455,09% ao ano. O governo não pode fazer quase nada, se algo, mas gostaria (a "ala política") de ver um anúncio qualquer a respeito. Bancos discutem um modo de dar um fim ao crédito rotativo no cartão, linha que seria substituída por um parcelamento automático da fatia da dívida que não é paga no mês.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cobrado mais providências "pop". Não por acaso, na semana que passou jogou no ar a ideia de uma espécie de programa "Mais Geladeiras", desconto de impostos para eletrodomésticos.

Também na semana passada o ministro Márcio França (Portos e Aeroportos) disse a esta Folha que o "Voa Brasil", começa em agosto. Não tem dinheiro do governo e é uma tentativa de vender cadeiras vazias nos aviões comerciais a R$ 200.

O presidente Lula em reunião no CNDI no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) - Gabriela Biló - 6.jul.2023/Folhapress

A semana teve ainda o anúncio de que vai começar o Desenrola, que demora e, por isso, causa "frustração crescente" em Lula, como diz um assessor próximo. É apenas a "faixa 2" do programa, a renegociação direta de dívidas entre bancos e clientes com renda maior.

O Desenrola "popular", que pega a massa endividada, deve vir em setembro, se forem resolvidos problemas técnicos da plataforma de venda e renegociação de dívidas. O programa pode ter efeito relevante e foi bem pensado. A um custo relativamente baixo (no máximo R$ 10 bilhões de subsídios, em cinco anos), pode eliminar dívidas de uns R$ 50 bilhões.

O resto é paliativo muito pequeno, se tanto, ou bobagem demagógica, como o "Mais Geladeiras", primo mais novo do "Mais Carros". O país inteiro pagou até R$ 800 milhões para que 95 mil pessoas e 30 mil CNPJs comprassem carro com desconto (que, em parte, comprariam de qualquer modo). A indústria continua na mesma, assim como a economia, e havia alternativa melhor para o dinheiro.

A bobagem apenas não foi maior porque a Fazenda limitou o tamanho do estrago. Agora, ministros tentam dar um jeito de conter os danos do "Mais Geladeiras" ou enterrá-lo. Mais adiante, tentarão evitar o cumprimento da promessa de Lula de isentar de Imposto de Renda as pessoas que ganham até R$ 5 mil.

A crítica a esse tipo de medida causa revolta. Os possíveis beneficiados acreditam, como em parte também Lula e gente do PT, que basta "vontade política" para fazer com que a vida melhore (cortar impostos, tabelar preços e juros etc.). Se fosse assim, até o inepto e inescrupuloso governo das trevas o teria feito (tentou, deixando rombos nas contas públicas que o governo Lula tem de administrar).

"Tributem os mais ricos"! Sim, é preciso. Porém, não para dar desconto de IR ou gastar em demagogia que não fará coceira no crescimento. O imposto extra cobriria déficits do governo, diminuindo a necessidade de pedir emprestado (aos mesmos ricos), a juros horríveis. Esse vai ser o problema macroeconômico maior do governo Lula, a partir de agora; se encaminhado, pode contribuir para a queda de juros e para o aumento do investimento produtivo.

Quanto a outros planos, gente do governo diz que está à beira de sair o plano de "transição verde", que pode vir a ser uma intervenção bem pensada, mas de que nada se sabe.

Mudanças institucionais profundas são abstratas, ininteligíveis e levam tempo para fazer efeito (como o plano fiscal, a Reforma Tributária, a lei de garantias, coisas que o governo vem fazendo ou incentivando). Surge então a tentação da demagogia, por vezes aliada a uma crença genuína, mas ignara. O risco é de partir para a ignorância em grande escala, criar ineficiências, arrebentar as contas públicas e, assim, a perspectiva de crescimento.

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