Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Congresso Nacional

Senado abre as portas para a conspiração do atraso nos impostos

Favores do Senado para empresas, estados e municípios podem matar a reforma

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O Senado quer deixar sua "marca" na Reforma Tributária. Tudo bem, desde que não seja para ferrar o gado, aliás uma crueldade, e arrebanhar favores para certos tipos de empresas e para governadores e prefeitos. Isto é, toda essa gente que diz querer a reforma, desde que ela não exista: desde que continuem todos os regimes especiais para empresas e a liberdade dos governos de fazer besteira, confusão e favor com impostos.

Uns senadores querem meter a mão na mudança dos impostos aproveitando ideias ruins já que circulam na casa. Outro tanto deles é bolsonarista e quer derrubar a reforma por espírito de porco. A reforma corre risco no Senado.

Por exemplo, deixar a "marca", as digitais, pode significar uma facada no coração da reforma.

Na reforma da Câmara, o que era para ser um IVA único passou a ser um IVA dual (um federal, outro de estados e municípios). Haverá três tipos de alíquota, a geral, a reduzida (em 60%) e a zero. Há gente no Senado que quer criar três IVAs avacalhados, com várias faixas de alíquotas.

Imagem mostra plenário do Senado
Senado Federal - Marcos Oliveira/Agência Senado

Para piorar, vários setores com lobby forte já conseguiram embarcar na alíquota reduzida. Além de não fazer sentido econômico, o favorecimento de grupos de empresas vai aumentar a alíquota mais geral. É fácil perceber que, mantida a carga tributária, se uns pagam menos, outros vão pagar mais.

Há uma fila de empresas à espera de uma alíquota reduzida. Quem teve a paciência de acompanhar as audiências públicas sobre a reforma na Câmara terá notado a graça: todo mundo quer a Reforma Tributária, desde que ela não exista, repita-se. Isto é, reclamavam para si um regime especial. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva não parece entender a reforma ou quer desfigura-la por outro motivo: quer regimes especiais para montadoras ou sabe-se lá mais o quê.

O coração da emenda constitucional da reforma é a uniformização dos impostos, o fim da alucinada variação regional e de valor das alíquotas; o fim da cumulatividade (imposto cobrado sobre imposto). É uma reforma de fundo e que afeta um pedação da carga tributária nacional (mais de 38% do total de impostos arrecadados no país inteiro).

Há indícios de que o Senado pode abrir as portas para a conspiração do atraso. Ou seja, empresas que reclamam do "custo Brasil" mas que, em geral, querem manter seu regime especial, sua isenção tributária, seu subsídio, sua proteção contra o comércio exterior, seu oligopólio. Em suma, querem que alguém financie a sustentação do seu negócio via impostos ou rendas. A elite do atraso. Majoritária.

No fim das contas, inventa-se assim o sistema tributário mais lunático e caquético do planeta, confuso, cheio de litígio, caro e que, em vez de incentivar empresas a decidirem investimentos pelo retorno econômico, animam todo mundo a cavar seu favorzinho fiscal com o rei ou rainha do momento.

O resultado é investimento ineficiente e baixa produtividade da empresa: baixo crescimento econômico, fora o crescimento do dinheiro no bolso de quem consegue cavar o favor. Alguém paga a conta, direta e indiretamente.

Há o que corrigir na reforma da Câmara: como limitar e tornar operacionais os fundos de compensação regional e de favorecidos pela guerra fiscal; o tempo de transição do IBS; o funcionamento do Conselho Federativo. O principal, porém, é dar cabo de exceções, o quanto possível.

O que se ouve no Senado e até no Planalto, porém, é dar um jeito de favorecer setores, aumentar a oportunidade de governadores e prefeitos criarem impostos ruins e até a novidade constitucional de criarem impostos.

Estava muito bom para ser verdade. A Reforma Tributária enfim tinha andado. Agora pode dar um passo além, à beira do precipício.

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