Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu guerra israel-hamas África

Fuga para o Egito pode evitar mais morte em Gaza, mas não é solução

EUA e Europa querem que egípcios aceitem o êxodo; assunto será discutido no sábado

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O governo do Egito anunciou que vai sediar no sábado (21) uma reunião a fim de pedir um cessar-fogo em Gaza e de dar um jeito de enviar ajuda humanitária aos palestinos. Chamou os poderes da região e os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

Americanos e europeus querem que os egípcios abram a fronteira com Gaza, em primeiro lugar para receber cidadãos de seus países e estrangeiros em geral. Querem também que o Egito receba os palestinos que fogem de bombas e da escassez de víveres.

Não há informação a respeito de como o êxodo para o Egito seria possível, de estimativa de quantas pessoas passariam pela fronteira e sobre quem pagaria a conta inicial da instalação dos refugiados no Sinai (a região egípcia que faz fronteira com Gaza e Israel). Menos ainda há notícia de que há ideia de como lidar com as consequências dessa nova expulsão em massa de palestinos de suas terras.

Palestinos se reúnem na passagem de fronteira de Rafah com o Egito
Palestinos reunidos na passagem de fronteira de Rafah com o Egito - Ibraheem Abu Mustafa - 16.out.2023/Reuters

O Egito não quer receber os palestinos porque não tem meios de cuidar deles, porque teme importar gente do Hamas, da Jihad Islâmica ou de seus sucessores e receia uma ocupação permanente de partes de Gaza por Israel.

O problema mais imediato é de quantos refugiados se trata. 250 mil? 500 mil? O milhão de pessoas que habitava o norte de Gaza, marcado para morrer por Israel? E o outro 1,2 milhão?

Suponha-se que isto seja possível. Que a ONU, por exemplo, receba dinheiro para fornecer abrigo, comida e água para centenas de milhares no desértico Sinai. O que será do restante dos palestinos?

Em tese, Gaza continuaria a ser sitiada e atacada até o Hamas ser aniquilado, seja lá o que isso signifique, como quer o governo de Israel.

Israel decide se Gaza tem eletricidade (por transmissão direta ou fornecendo diesel para a única usina elétrica da região). Decide se Gaza tem água (que vem de Israel ou de poços ou dessalinização, o que depende de eletricidade). Israel decide se os comboios de ajuda ora parados no Egito podem entrar em Gaza e que, no mínimo, podem ser vítimas colaterais de bombardeios israelenses.

Suponha-se que, "aniquilado o Hamas", a guerra seja interrompida por semanas ou meses. Para onde vão voltar os palestinos? Parte considerável de suas casas, hospitais e serviços públicos terá sido destruída. Vão trabalhar onde? Apenas 35% da população está na força de trabalho (com algum emprego ou à procura de um. No Brasil, são cerca de 61%). Depois da ruína será pior.

Os palestinos terão energia elétrica e água de Israel? Poderão sair de Gaza? No ano passado, Israel permitiu apenas 1.163 saídas de palestinos de Gaza, na média diária (podem ser sempre os mesmos, pois a maioria era de trabalhadores temporários); o Egito, 397. As importações palestinas são controladas por Israel (que teme a compra de materiais para a construção de armas e bombas, por exemplo, mas não só).

Ou seja, na melhor das hipóteses ora visível, os palestinos de Gaza voltariam para a mesma prisão, mas agora mais destruída. Sob qual governo? Sob o horror de um Hamas 2º?

Quem controlaria Gaza? Uma tropa de Israel, mesmo temporária, talvez. E depois? Quem reconstruiria a região, com quais meios e com qual capacidade de colocar ordem no território?

O êxodo para o Egito talvez diminua o tamanho do morticínio. Dado o horror, talvez seja o que melhor se possa esperar, por agora. No mais, em nada diminui o risco de massacre de quem ficar em Gaza e de a guerra se expandir pela região. Para piorar, pode resultar em outra expulsão permanente de palestinos e a eternização do desastre humanitário e político da região. Assim como os poderes ocidentais e regionais não tinham projeto ou interesse de resolver a desgraça dos palestinos antes da nova guerra, agora também não têm.

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