Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu Governo Lula

Plano do governo para aumentar crédito para imóveis ainda não existe

Programa carece de explicação técnica, e negócio não para em pé por causa de juro alto

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O governo diz que inventou nova maneira de expandir o financiamento para imóveis. A providência está lá na medida provisória que também criou o programa "Acredita" (microcréditos etc.). A ideia é criar um mercado de créditos imobiliários.

Mas o governo não explicou como o negócio para em pé.

Trocando em miúdos, é o seguinte. Um banco concede financiamentos imobiliários. Tem o direito de receber pagamentos, juros e principal, pelo dinheiro que emprestou. Por algum motivo (e dadas as possibilidades da lei), pode querer vender a uma terceira parte esse direito de que é titular. Essa terceira parte teria interesse de receber os pagamentos do financiamento se a taxa de juros e o risco fossem atraentes.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em lançamento do programa Acredita no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 22.abr.2024/Folhapress

Se o banco vende esse financiamento imobiliário, tem mais espaço em seu balanço para fazer mais empréstimos, aumentando o crédito para imóveis —em tese. Esse é o plano de Lula-Haddad.

Quem compraria esses financiamentos, no plano do governo? Uma estatal, a Emgea, criada em 2001 para comprar, com desconto, créditos ruins (inadimplentes) da CEF. "Compra" e tenta recuperar o dinheiro emprestado, grosso modo.

A medida provisória abre a possibilidade de a Emgea comprar financiamentos dos bancos, transformá-los em títulos de investimento e revendê-los —a securitização. O problema é que o negócio daria prejuízo para a estatal ou não teria interesse para investidores.

Problema central: ora é possível fazer investimento a taxa maior e com menos risco do que o das taxas de financiamento imobiliário. Basta emprestar para o governo, que ora paga a taxa de inflação mais 6% ao ano para empréstimos de dez anos (duração média, por aí, de financiamentos imobiliários). Boa parte do financiamento imobiliário tem taxa mais baixa apenas porque é feita com dinheiro de poupança e FGTS.

Ressalte-se: o empréstimo imobiliário paga a taxa "x", menor do que paga o governo por seus empréstimos. No mercado, o comprador do título imobiliário, o investidor, vai querer uma taxa "x + algo". De outro modo, não investe, não compra o título oferecido pela Emgea.

A não ser que a Emgea fique com o prejuízo. Não pode. O governo vai bancar a conta, com subsídio?

Existem engenharias para juntar vários financiamentos e vendê-los como um título, como um certificado de recebíveis imobiliários, que nesse caso renderia o pagamento do financiamento imobiliário originado pelos bancos.

Esse mercado poderia ser boa coisa. Porém, se as taxas de juros básicas fossem baixas no país, boa parte do problema estaria resolvida. A securitização seria apenas instrumento adicional para vitaminar o crédito. Aliás, esse instrumento funciona em ampla escala apenas nos EUA, um negócio desenvolvido em quase 60 anos —e que mesmo assim deu no rolo abissal de 2008.

Há outras questões além do nó central dos juros.

Quem cuidaria do financiamento (receber pagamentos, refinanciar, cobrar atrasos, renegociar, ir à Justiça)? Os bancos ficariam isentos do risco de inadimplência, tendo repassado o financiamento para a Emgea? Ficariam com alguma parcela da perda?

Quem compraria os papéis securitizados da Emgea? Fundos de pensão precisam ter certa segurança de investimento a longo prazo, a certa taxa (e o financiamento imobiliário tem risco de pré-pagamento).

De onde viria a fonte inicial de financiamento da Emgea? O governo fala em pagar R$ 10 bilhões à estatal (parte da velha dívida dos subsídios do Fundo de Compensação de Variações Salariais, FCVS). Esse dinheiro equivale a um mês de financiamento imobiliário pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), na média deste ano.

O dinheiro de SBPE e FGTS chegou ao limite. Não permite que o crédito imobiliário cresça mais (em relação ao PIB), o que é preocupação desse mercado inteiro. Para emprestar mais, o custo aumenta.

As taxas de juros de longo prazo estão altas. Mais do que em agosto do ano passado, quando o Banco Central começou a baixar a Selic. A dívida pública crescente tem parte nisso.

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