Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Sem hora para voltar

Explorar Paris ao acaso e se perder é experiência preciosa neste início de ano

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Escrevo hoje de Paris, onde, um pouco antes de 2022 terminar, eu fiz uma coisa que nunca tinha feito antes: eu me perdi.

Não foi intencional, apesar de ter planejado alguma coisa nesse sentido logo que cheguei aqui, na véspera de Natal. Decidido a variar caminhos que faço sempre, tive uma ideia inspirada numa artista francesa, a genial Sophie Calle.

Turistas andam por uma rua de pedrestes iluminada cheia de lojas com mercadorias nas cançadas; ao fundo se vê a cúpula de uma basílica
Turistas andam em uma rua ao lado da basílica de Sacre-Coeur em Montmartre - Alain Jocard -22.ago.22/AFP

Não é simples explicar num parágrafo sua arte, mas em linhas gerais podemos dizer que ela desenvolve narrativas do acaso, ou ainda, retratos aleatórios. Num de seus trabalhos mais famosos, Calle ligou para várias pessoas de uma agenda de telefones que achou na rua e publicou essas conversas no jornal Libération.

Meu experimento era um pouco menos complicado. Pensei em, logo no início do ano, pegar um metrô, descer numa estação que nunca havia usado e explorar aquela vizinhança.

Não tinha certeza se deixaria tudo mesmo ao acaso ou escolheria estações pelo encanto de seus nomes. Não faltam paradas evocativas no metrô parisiense: as linhas 7 e 11 te levam à Place des Fêtes (Lugar de Festas); 8 e 9 param em Bonne-Nouvelle (Boa Notícia); com a 2 você chega a Roma; na 3 você desce em Malesherbes (Ervas Daninhas).

O que não falta é inspiração.Antes mesmo de colocar meu plano em prática, porém, o próprio acaso veio provar que é ele quem manda na gente, e não o contrário. Ao voltar de um almoço delicioso num restaurante que ainda não conhecia, o Chocho (pode anotar!), resolvi não pedir ao GPS para indicar o caminho para casa.

Sabia que estava no 10éme, ou ainda no "décimo bairro". As áreas de Paris são numeradas num bizarro caracol e por causa disso o meu endereço, no 3éme (terceiro) é perto de onde estava. Sim, é complicado: o 11º é vizinho do 20º; o 14º faz fronteira com o quinto e o sexto. Tudo certo para quem queria mesmo se perder.

Insisto: teria sido fácil abrir um aplicativo. Ou ainda, em caso de pânico, entrar na primeira estação de metrô e ver que linhas eu deveria pegar para chegar a Chemin Vert (Caminho Verde), outro destino com um nome adorável.

No entanto, eu simplesmente relaxei. Fui caminhando com o vento, às vezes contra, às vezes à favor. E descobrindo coisas incríveis.

Um barbeiro que tocava o melhor pop senegalês no último volume, fazendo o quarteirão dançar. Uma padaria com um brioche recheado de cebolas caramelizadas. Uma loja de cactos exóticos. Um restaurante árabe que acabava de ser premiado (e já estava lotado).

Uma livraria com um volume das ilustrações das peças do teatro Rond-Point, o genial Stéphane Trapier. Uma novíssima e, como descobri depois, ultra-elogiada chocolateria: Plaq. A peixaria mais famosa do bairro, no Marché Saint-Martin.

Talvez não fossem descobertas excepcionais, certamente não eram para quem sempre circula por lá. Mas para este novato, foi quase como se estivesse visitando uma cidade desconhecida, um prazer que eu já nem acreditava mais que poderia viver em Paris.

Levei quase três horas para chegar ao meu endereço, no Boulevard Beaumarchais. Se não me perdesse gastaria menos de 30 minutos no percurso. Mas quem estava olhando no relógio? Entrei em casa exausto e feliz. Num início de ano como este, quando tudo está para ser escrito, a experiência foi preciosa.

E já quero me perder mais: acho que hoje mesmo vou pegar a linha 13 do metrô até a estação Gaîté. Não vou facilitar aqui e dar a tradução desse nome (Google!). Mas posso adiantar que essa é a melhor maneira de a gente começar 2023.

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