Descrição de chapéu Alalaô

Em 1945, EUA alertavam para lança-perfume do Carnaval do Brasil 

Com quartel em Recife, americanos queriam ter relação cordial com aliado

Guilherme Seto
São Paulo

Nos anos da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e o Brasil se aproximaram com o objetivo de enfrentar a Alemanha nazista e os demais países do Eixo. Em alguns momentos, isso implicou na necessidade de reforçar o respeito à alteridade entre os países aliados.

Um memorando interno da Marinha norte-americana, de fevereiro de 1945 e descoberto pelo historiador brasileiro Frederico de Oliveira Toscano, mostra o esforço feito para compreender especificamente o Carnaval e sua importância para o brasileiro.

"Para a maior parte dos brasileiros, o Carnaval é o único evento realmente grande no ano, e muitos das classes mais pobres economizam o ano inteiro para poder participar ativamente", diz trecho do documento.

Homens vestidos de mulher durante o Carnaval de 1945 no centro do Recife
Homens vestidos de mulher durante o Carnaval de 1945 no centro do Recife - Alexandre Berzin / Acervo Museu da Cidade do Recife

Mais à frente, alerta para o fato de que "pessoas agem como se tivessem perdido os sentidos". "Muitos daqueles que normalmente são reticentes e fleumáticos impressionarão com as suas atitudes, mas na verdade poucos estarão embriagados."

Toscano, doutorando em História pela Universidade de São Paulo e que realiza pesquisa na Universidade de Georgia  in  Athens, nos Estados Unidos, encontrou o documento nos arquivos nacionais, em Washington. Para ele, o memorando mostra um "esforço de não provocar os brasileiros e de preservar o relacionamento", que parece ainda mais sincero em um documento interno.

"O Brasil era um aliado importante na guerra, o maior na América no Sul", diz, explicando que o memorando provavelmente se referia ao Carnaval do Recife, onde ficava o quartel-general da Marinha americana. "Dali partiam as decisões sobre defesa, ataque e patrulhamento de toda a região do Atlântico Sul".

Assinado por W.R. Munroe, vice-almirante da Marinha e comandante da quarta frota --que ficava no Recife--, o documento prima por descrições interessantes.

"A exuberância da população se deve quase totalmente ao espírito da ocasião, à música incessante e primitiva, e à inalação de perfumes baratos compostos majoritariamente de éter [aqui a referência é ao lança-perfume, que só se tornaria proibido a partir da década de 1960]. A qualquer lugar que vá você será submetido a banhos desses perfumes por meio de pistolas d'água", diz o documento, ressaltando que os marinheiros não deveriam se aborrecer.

"Seus olhos vão arder e sua pele vai pinicar, mas a intenção é de brincadeira e deve ser levada nesse espírito".

Para Toscano, o que algumas vezes aparece como caricatural nessa pseudo-etnografia deve ser entendido à luz do período histórico.

"Quando falam de 'música primitiva', por exemplo, é porque tiveram desenvolvimento musical diferente em relação ao Brasil, onde houve construção forte em torno da percussão, herdada da África. Via-se pessoas batendo tambores no Carnaval, e eles não estavam acostumados a isso, por terem uma tradição mais de metais e instrumentos de sopro."

Se havia a preocupação com a irritação dos marinheiros americanos, também havia o medo da tentação. O texto do vice-almirante Munroe parece revelar o receio de alguém que conhece bem a sedução das farras.

"Você só deve participar das festividades quando expressamente convidado. Em outros momentos você deve ser mero espectador. Mantenha a compostura e não se deixe levar pelo espírito da ocasião (...) O uso de máscaras de qualquer tipo por marinheiros está proibido."

TEM CARNAVAL?

No primeiro volume de sua "História das Eleições no Recife", o jornalista Ronildo Maia Leite narra o caráter polêmico que o Carnaval recifense adquiriu durante a Segunda Guerra.

De um lado estavam os que defendiam que a festa não deveria acontecer, alegando que o clima era de consternação pelos mortos no conflito.

Do outro, personalidades públicas exaltavam o caráter popular da festa. Era o caso do jornalista Mário Melo, segundo reproduz Maia Leite.

"A gente de colarinho branco e gravata, que bebe champanhe e gim, pode embriagar-se nos clubes, mas os pés raspados, que trabalham no duro, não!", escreveu. Por fim, em fevereiro de 1945, mês em que o memorando foi enviado, a pendenga foi encerrada pela força dos fatos.

"Ancorados no porto do Recife, marinheiros do encouraçado São Paulo organizaram a troça Mimosas na Folia. E desfilam ruidosamente (...) Pela primeira vez vestidos de mulher. Musculosos e atléticos, os marinheiros de guerra do Brasil introduziram no carnaval pernambucano um hábito até então absolutamente carioca. No porto da resistência democrática, ancoravam também frevo e povo. Alegres prostitutas, de braços dados com suados estivadores e marinheiros, desceram do cais", descreve Maia Leite.

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