Descrição de chapéu plano de saúde

Ninguém mais aguenta pagar plano de saúde, afirma diretor da ANS

Executivo diz que órgão federal quer estimular competição no setor

Cláudia Collucci
São Paulo

Ao completar 18 anos no último dia 28, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) quer estimular a competição entre operadoras de saúde e fazer com que empregadores negociem melhor o preço e a qualidade do plano ofertado aos funcionários.

São os que contratam planos os grandes indutores da mudança de modelo assistencial. No Brasil, o empregador não é um ator muito ativo nessa discussão, diz o economista Leandro Fonseca, 43, diretor-presidente substituto da ANS, que está sem o titular desde maio passado.


Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da ANS
Leandro Fonseca, diretor-presidente substituto da ANS - Bruno Santos/ Folhapress

Formação: Graduação em economia pela UFRJ e mestrado em regulação pela London School of Economics

Trajetória: Servidor público desde 2004,


trabalhou com economia da saúde no Ministério da Fazenda; cedido para a ANS em 2010, foi diretor nas áreas de fiscalização, normas e habilitação de operadoras e de desenvolvimento setorial antes de se tornar diretor-presidente da agência em maio do ano passado

O custo dos planos no Brasil é crescente e chega a consumir hoje mais de 11% da folha de pagamento das empresas. Os planos empresariais representam hoje 66% do mercado. Em razão da crise econômica e do desemprego, mais de 2,5 milhões de pessoas ficaram sem planos nos últimos dois anos.

Para Fonseca, o financiamento da saúde é um debate que está faltando no país. Como vamos dar mais saúde à população? Cobrar mais impostos? Ninguém mais aguenta. Pagar mais mensalidade de plano de saúde? Ninguém mais aguenta, afirma em entrevista à Folha


Folha - A ANS chegou à maioridade. Quais os principais avanços e entraves a serem enfrentados?

Leandro Fonseca - Houve uma evolução muito grande desde a criação da ANS. Antes, a operadora podia limitar o número de consultas, dizer que cobria doença renal, mas não cobria hemodiálise, podia limitar número de internações hospitalares. Isso mudou muito. Muitas operadoras, antes da ANS, coletavam mensalidades das pessoas e depois fechavam as portas e sumiam com o dinheiro. Com a regulação, o mercado foi sendo saneado, induzindo a uma gestão mais prudente dos recursos. O processo está em curso, o setor ainda está passando por transformações.

O país vive uma escalada de ações judiciais contra planos e muitas delas são por procedimentos não incorporados pela ANS. Como a agência pretende lidar com isso?

Nesse debate, está faltando uma discussão mais qualificada sobre o que está sendo judicializado. Quando tem uma obrigação contratual e a operadora não cumpre, essa é uma judicialização devida.

Agora, se estamos falando de um tratamento experimental, às vezes sem aprovação, ou que não está rol, esse processo de judicialização é perverso para o sistema, tira recursos que poderiam ser mais bem realocados na assistência. Porque alguém paga a conta, isso vai para a mensalidade do plano de saúde.

Reajustes abusivos aplicados pelas operadoras respondem por boa parte dessa judicialização. Isso não é falha de regulação da ANS?

Reajustes de planos acima da inflação são um fenômeno mundial. O envelhecimento da população, a incorporação de novas tecnologias, tudo isso leva a um encarecimento dos serviços de saúde.

Em um cenário de crise econômica, em que a população perdeu emprego, o plano e ainda assim a operadora precisa fazer reajuste, é contra qualquer lei da economia.

Se você diminui a demanda, precisaria diminuir o preço para manter o cliente.

Mas na saúde isso não é possível porque a variação de custos é expressiva.

Como contornar isso?

Deve ser normatizado já neste primeiro semestre de 2018 uma maior flexibilidade na portabilidade de carências. Hoje o usuário só pode migrar de um plano para outro em um determinado período do ano. Dois meses antes e dois meses depois da data do aniversário do plano.

A gente deve acabar com a janela, permitir ao longo do ano. Também permitir a portabilidade entre planos coletivos desde que sejam equivalentes. Isso são normas para competição, boas para o consumidor. Se não está satisfeito com o reajuste, com os serviços, muda de operadora.

Outra norma que deve sair neste ano é sobre coparticipação e franquias. A ideia é engajar o consumidor no processo decisório do tratamento dele. À medida que ele tem que contribuir para aquele determinado tratamento, passa questionar mais na relação com o médico: vem cá, isso é efetivamente necessário?

Parte do custo em saúde tem a ver com desperdício e má gestão das operadoras. E quem paga a conta é o usuário. O que a agência pode fazer sobre isso?

Incentivando a competição, dando mais informação para que os contratantes de planos de saúde possam negociar melhor os produtos. Estamos nos aproximando dos empregadores para engajá-los nesse processo. A grande força que leva à maior eficiência de qualquer mercado é o cliente demandando aquilo.

São os que contratam planos para dar aos funcionários os grandes indutores da mudança de modelo assistencial. O que ele quer em termos de serviços de saúde para os seus funcionários e famílias.

Ele tem um papel muito importante. Nos EUA, os empregadores discutem com planos de saúde no Congresso, no governo. No Brasil, o empregador não é um ator muito ativo nessa discussão.

E por que isso acontece?

Os empregadores sabem que precisam fazer e que estão se sentindo mais pressionados agora, com o valor dos planos aumentando. Mas dizem que não tem know-how, não sabem como fazer.

Nos EUA, na crise de 2008, a gente viu que o grande problema da GM [General Motors] foi o plano de saúde, que pesava muito e eles estavam perdendo produtividade.

Aqui no Brasil há estudos que apontam que os planos de saúde representam mais de 11% das despesas na folha salarial. Isso afeta a produtividade da economia como um todo. Tanto que nos EUA grandes empresas já começam a fazer a autogestão da saúde dos funcionários [Amazon, Bekshire Hathway e JP Morgan anunciaram a criação de uma empresa sem fins lucrativos para conter gastos com planos de saúde].

O financiamento da saúde, seja a pública ou a privada, é um debate que está faltando no país e é tão importante quanto o da Previdência.

Do mesmo jeito que tem altos reajustes de planos, tem demanda por mais recursos do SUS. Os motivos são os mesmos, envelhecimento, novas tecnologias. Como vamos dar mais saúde à população? Cobrar mais impostos? Ninguém mais aguenta. Pagar mais mensalidade de plano? Ninguém mais aguenta.

Há desperdícios e incentivos no setor de hospitais e laboratórios que impulsionam essa inflação médica. Por que a ANS não regula esse setor?

Deixo pra você perguntar para os legisladores brasileiros sobre esse assunto (risos).

Você tem razão. A grande dificuldade hoje é engajar o prestador de serviço nessa preocupação de variação de custos. Muitas prestadoras estão partindo para a verticalização [comprando diretamente da indústria produtos mais caros, como órteses e próteses]. Mas esse é o caminho? Não sei.

A ANS foi criticada pelas entidades de defesa do consumidor por ter aprovado a proposta dos planos populares. O que o sr. pensa sobre isso?

A leitura do relatório permitiu a conclusão ao gosto de quem estava lendo. Algumas entidades de defesa do consumidor têm um viés muito pró judicialização. Minar a regulação, minar a ANS favorece o viés pró judicialização.

Há uma crítica de que a ANS defende mais os interesses dos planos do que dos consumidores. Isso procede?

Como qualquer órgão público, a ANS está aberta a críticas. Mas precisamos fazer o filtro. É uma crítica que cabe? Qual o interesse que está por trás de quem fez a crítica?

Qualquer agência reguladora sempre tem um pouco dessa visão de que protege os interesses do mercado e não do consumidor. O que a gente precisa muito melhorar é a comunicação.

Outra polêmica é o reajuste de planos para os idosos. Como torná-lo sustentável?

Uma das soluções possíveis no setor privado é uma poupança de saúde. Nos EUA isso está crescente e tem se mostrado uma das soluções do financiamento à saúde das pessoas mais idosas.

Ou seja, é feita uma poupança ao longo do tempo e quando a pessoa se aposenta e tem uma perda natural de renda, teria ali uma poupança para pagamento dos custos dele com saúde privada. Já existe um projeto de lei sobre esse assunto no Brasil e isso precisa voltar à luz.

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