Descrição de chapéu Mobilidade urbana

Troca de asfalto vira bandeira de Doria em 'reta final' na prefeitura

Tucano prevê R$ 550 mi para recapear, mais que investimento em educação

Pedestre atravessa a avenida Braz Leme (zona norte), que foi recapeada pela gestão Doria
Pedestre atravessa a avenida Braz Leme (zona norte), que foi recapeada pela gestão Doria - Rafael Hupsel/ Folhapress
Artur Rodrigues
São Paulo

Agachado, de camisa branca, jeans e sapatênis, o prefeito João Doria (PSDB) faz com dois dedos o sinal que apelidou como “acelera” e aponta para o asfalto da avenida Braz Leme (zona norte). 

A imagem foi registrada no último dia 10 na inauguração da nova pavimentação da via, mas variações da mesma cena devem se repetir nas próximas semanas, no que pode ser a reta final do tucano na Prefeitura de São Paulo.

Doria pavimenta seu caminho para se lançar à sucessão do governo do Estado, e o programa Asfalto Novo se apresenta como a principal vitrine atual do tucano —para ser candidato, terá que sair do cargo até a primeira semana de abril, após um ano e três meses como prefeito.

O programa de recapeamento tem espaço em propagandas pagas da prefeitura e recursos de fazer inveja à maioria das pastas municipais.

O montante para asfalto, de R$ 550 milhões, é mais do que a expectativa de investimentos (e não custeio, como salários) nas áreas de saúde (R$ 545 milhões) ou educação (R$ 168 milhões) em 2018.

O empenhado para obras nessas duas áreas no ano passado foi ainda menor —somado, alcançou R$ 262 milhões.

Embalado por pelo menos R$ 5 milhões em publicidade, o Asfalto Novo traz visibilidade quase imediata, bem diferente de outras obras demoradas como as de corredores de ônibus e hospitais.

A previsão é que até 30 de junho, antes da campanha eleitoral, mais de 400 km de vias estejam com pavimento refeito —a malha viária paulista tem cerca de 17 mil km.

Entre as vias que passarão por obras nos próximos meses estão corredores estratégicos como a marginal Tietê e a avenida do Estado.

A gestão Doria já falava no programa no ano passado, mas a dimensão dele cresceu.

No dia 22 deste mês, por exemplo, a prefeitura remanejou para pavimentação uma verba de R$ 192 milhões que seria inicialmente destinada a corredores de ônibus.

A gestão obteve ainda um financiamento do banco Santander de R$ 30 milhões.

A maioria do gasto total (R$ 310 milhões) será bancado pelo dinheiro arrecadado com multas de trânsito. 

A gestão Doria conseguiu na Justiça a liberação para usar esse fundo para outros fins que não apenas educação e segurança do trânsito —o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) respondeu processo de improbidade por esse motivo, mas acabou inocentado.

Buraco na rua Santa Eudóxia, na zona norte; prefeitura diz ter aumentado os reparos
Buraco na rua Santa Eudóxia, na zona norte; prefeitura diz ter aumentado os reparos - Rafael Hupsel/ Folhapress

BURACOS

Pesquisa Datafolha mostrou que a reprovação a Doria triplicou ao longo de 2017, passando de 13% em fevereiro para 39% no final do ano.

As falhas na zeladoria estiveram entre os motivos de desgaste do prefeito —incluindo a quantidade excessiva de buracos, com queda de 15% nos serviços de tapa-buraco nos primeiros sete meses de mandato, uma operação independente do recapeamento.

Os problemas na área levaram Doria a tirar o vice-prefeito Bruno Covas da Secretaria das Prefeituras Regionais para colocar o ex-executivo da Cyrela Cláudio Carvalho, seu homem de confiança.

Ficou a cargo de Carvalho asfaltar em alguns meses mais do que a gestão Fernando Haddad (PT) havia feito nos primeiros três anos —283 km.

Para Marco Antonio Teixeira, professor de ciências políticas da FGV, a aposta na zeladoria para ganhar visibilidade é uma velha arma de prefeitos paulistanos. Entre os exemplos, ele cita Jânio Quadros —lendário político que vistoriava buracos no asfalto a caminho da prefeitura.

“O asfalto é aquela coisa que você sente, tanto de ônibus quanto de carro. Na hora em que você percebe [que foi reformado] tem uma sensação de que a prefeitura está trabalhando”, diz Teixeira.

Ele ressalva que esse investimento maciço ajuda a reverter danos à imagem de Doria, mas que as limitações dos cofres municipais permanecem —já que ainda não entrou dinheiro com privatizações.

Uma das críticas da oposição é que Doria teria cortado gastos sociais importantes no último ano, como no fornecimento do programa Leve-Leite, com a intenção de fazer caixa para um período eleitoral.

GARANTIA

Nas ruas por onde os rolos compressores passaram, a reportagem ouviu elogios a Doria. “Fazia uns 30 anos que ninguém recapeava. Chegou alguém que foi lá e fez”, diz a assistente administrativa Sabrina Menucci, 37, que trabalha na av. Eng. Caetano Alvares, que já foi recapeada.

O corretor de imóveis Bruno Gonçalves, 25, também gostou do resultado na Braz Leme, mas lembrou a coincidência do calendário eleitoral. “Ficou bom, mas só fazem essas obras em ano de eleição. Eu não caio nessa.”

A gestão Doria diz que, diferentemente do que ocorria, está sendo aplicado no asfalto um material bom, com “oito anos de garantia de qualidade técnica atestada pelos laboratórios”. Questionada sobre detalhes da diferença do recapeamento feito em administrações anteriores, a prefeitura não respondeu.

O taxista Henrique Sampaio Neto, 64, definiu a situação da rua dos Pinheiros (zona oeste) como “um tapete”. “Mas por aqui pelo bairro tem muitas delas esburacadas.”

Próximo dali, por exemplo, a rua Antonio Bicudo apresenta asfalto acidentado e esburacado. Em ruas próximas, nem sequer há pavimentos, somente paralelepípedos. 

A reportagem circulou por ruas da zona norte e viu situações parecidas nos arredores das recém-reformadas Eng. Caetano Alvares e Braz Leme.

DEMANDA

A gestão João Doria (PSDB) diz que a demanda da população por melhoria no asfalto justifica os gastos na área.

Segundo a prefeitura, os serviços de tapa-buraco foram os mais solicitados pelo telefone 156 no ano passado, “quando as Prefeituras Regionais atenderam pedidos em estoque desde 2012”.

A administração diz também que a cidade não recebia um programa de recapeamento há dez anos —não detalhou os critérios para essa definição, já que houve serviços de troca de asfalto nas gestões Haddad e Kassab.

A gestão Doria afirma também que considera indevida a comparação entre investimentos em saúde e educação e os gastos com asfalto. 

“As despesas de recapeamento se referem à manutenção de vias, e não a investimentos em novos equipamentos. O custeio em manutenção de hospitais, escolas e creches —o mais correto para se comparar com a manutenção de vias públicas— superou R$ 10 bilhões em 2017”, afirma a nota da prefeitura.

A própria gestão municipal, porém, trata as despesas do programa Asfalto Novo como investimento em comunicados feitos à imprensa.

A administração diz que gastou cerca de R$ 13 milhões em 2017 com esse programa. Neste ano, já empenhou outros R$ 187 milhões. Segundo a nota, a principal fonte do dinheiro (fundo de multas de trânsito) não pode ser direcionada para saúde e educação.

A administração Doria afirma ter elevado os reparos de buraco em 11,5% no acumulado do ano passado e que locais esburacados mencionados pela Folha serão vistoriados. Questionada, ela não respondeu sobre reflexos eleitorais da ação de Doria.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.