Acordo favorece Odebrecht ao permitir retomar túnel em SP

Acerto com Promotoria e gestão Covas autoriza reativação de obra por cartel

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São Paulo

Acordo assinado por promotores do Ministério Público Estadual e pela Prefeitura de São Paulo com a Odebrecht deu à empreiteira o direito de retomar um contrato de R$ 503 milhões que ela mesma reconhece ter conquistado de maneira fraudulenta.

A prefeitura contratou um consórcio liderado pela empresa em 2011 para construir um dos trechos do túnel Roberto Marinho, parte de um ambicioso pacote de obras viárias lançado pelo então prefeito Gilberto Kassab (PSD) em parceria com o então governador José Serra (PSDB).

Suspeitas de superfaturamento levaram à suspensão do projeto em 2013, após a chegada do petista Fernando Haddad à prefeitura. As obras não foram executadas, mas o contrato foi mantido, sem a realização de desembolsos.

O acerto celebrado agora favorece a Odebrecht ao permitir que ela fature com o contrato se a prefeitura decidir retomar o projeto, sem necessidade de nova licitação pública. Corrigido pela inflação dos últimos anos, o valor do contrato alcança R$ 740 milhões.

A gestão Bruno Covas (PSDB) diz não haver por enquanto planos para retomá-lo. Assinado em abril e definido como um termo de ajustamento de conduta, o acordo ainda precisa ser homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público, ao qual foi submetido nesta terça (19).

O acerto é um desdobramento do acordo de leniência celebrado pela empresa com o Ministério Público Federal em dezembro de 2016 para colaborar com as investigações da Operação Lava Jato.

A empreiteira reconheceu ter corrompido políticos e funcionários públicos para obter contratos no setor público e concordou em pagar multa de R$ 3,8 bilhões em troca de benefícios como alívio nas penas na esfera criminal.

No caso do túnel de São Paulo, a Odebrecht afirmou que as empreiteiras contratadas para a obra foram selecionadas de forma ilegal, com a divisão dos lotes do projeto entre oito participantes de um cartel organizado pelo engenheiro Paulo Vieira de Souza.

Conhecido como Paulo Preto, Souza era diretor da Dersa, empresa controlada pelo governo do estado que participou do projeto.

Segundo ex-executivos da Odebrecht que se tornaram delatores, Souza acertou com as empresas que elas pagariam propina equivalente a 5% do valor de seus contratos durante a execução das obras. Apontado pelo Ministério Público Federal como operador do PSDB, Souza nega as acusações feitas pela empreiteira. 

Em seu acordo com os promotores e a prefeitura, a Odebrecht aceitou pagar multa de R$ 7 milhões a título de indenização ao município. O valor pode ser quitado em 20 anos, ou convertido em obras e prestação de serviços à cidade.

Além de reconhecer irregularidades, a empreiteira se comprometeu a colaborar com investigações dos promotores estaduais. No ano passado, eles ajuizaram ação de improbidade administrativa contra Kassab, que hoje é ministro da Ciência e Tecnologia.

Os promotores acusam Kassab de enriquecimento ilícito por causa de contribuições no valor de R$ 21 milhões que a Odebrecht diz ter feito a suas campanhas e ao PSD de forma ilegal, com dinheiro de caixa dois e sem registro formal.

A obra do túnel Roberto Marinho, que ligaria a avenida Jornalista Roberto Marinho à rodovia dos Imigrantes, foi orçada em R$ 2 bilhões na época. Outras empreiteiras que se tornaram alvo da Lava Jato, como a Andrade Gutierrez e a Camargo Corrêa, também ganharam lotes do projeto.

 

Prefeitura diz que não tem planos de retomar

A Secretaria de Comunicação da gestão Bruno Covas afirmou que o acordo com a Odebrecht não obriga o município a realizar a obra do túnel e “muito menos que a mesma seja conduzida pela empresa”. 

Segundo a prefeitura, não há planos para retomar o projeto agora, por falta de recursos. “Qualquer decisão sobre sua retomada será tomada em momento oportuno”, afirmou.

O acordo também prevê que os promotores e a prefeitura negociarão com a construtora um desconto no valor original do contrato se o município resolver reiniciar a obra.

O acerto estabelece ainda que o Ministério Público e a prefeitura não tomarão medidas contra a Odebrecht e não usarão as informações fornecidas pela empresa para declarar a nulidade do contrato.

Para o promotor Silvio Marques, um dos negociadores do acordo, a manutenção do contrato com o consórcio da Odebrecht e a exigência de desconto para sua retomada são vantajosas para o município.

“O custo será menor em caso de retomada do projeto do que com uma nova licitação”, afirmou. Segundo ele, o Ministério Público só aceitará a reativação do contrato se a empresa oferecer desconto de pelo menos 10% no valor.

Em nota, a Odebrecht afirmou que sua cooperação com as autoridades “permite elucidar desvios, responsabilizar culpados, ressarcir danos e ensinar o caminho da ética”.

A assessoria de Kassab diz que as licitações realizadas na gestão dele ocorreram “de forma transparente, obedecendo todas as disposições legais, em defesa estrita do interesse público”. “Caso fique demonstrada má fé por parte dos licitantes, os prejuízos devem ser reparados”, afirma.​​

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