Minas Gerais registra 51 ataques a ônibus em 26 cidades

Governador Pimentel afirma que houve ação de facção criminosa que atua em todo o país

Ônibus incendiado por homens encapuzados em Uberaba (MG), no Triângulo Mineiro
Ônibus incendiado por homens encapuzados em Uberaba (MG), no Triângulo Mineiro - Divulgação/Corpo de Bombeiros
Martha Alves Carolina Linhares
São Paulo e Belo Horizonte

Nos últimos três dias, ao menos 51 ônibus foram incendiados em 26 cidades do estado de Minas Gerais, informou a Polícia Militar nesta terça-feira (5). Um total de 47 suspeitos foram presos, incluindo menores.

Os primeiros ataques começaram no domingo (3) e, até agora, não há nenhum registro de pessoas feridas. Além dos coletivos, delegacias, agências bancárias, agência dos correios e veículos de agentes penitenciários foram atacados pelos criminosos.

O governador Fernando Pimentel (PT) afirmou se tratar de uma ação de facção criminosa, mas não mencionou especificamente o PCC (Primeiro Comando da Capital). “A essa altura está caracterizado que foi mesmo autoria de uma facção criminosa, de uma organização criminosa que atua no Brasil inteiro e que, neste momento, concentrou sua atuação em Minas Gerais”, disse.

Além da existência de áudios que mencionam a facção paulista, as suspeitas se reforçam pelo fato de os ataques terem se concentrado no Sul e no Triângulo Mineiro, regiões que abrigam a maior parte dos presos do PCC em Minas.

O comandante da PM, coronel Helbert Figueiró, também evitou nomear qual facção foi responsável pelos ataques. “É preciso a construção de uma inteligência eficiente, uma coleta de dados de todas as pessoas presas, para que a gente consiga chegar a células dessas organizações criminosas.

”Segundo o governo, duas organizações criminosas atuam hoje em Minas, inclusive com presos originais de outros estados exercendo liderança nos presídios mineiros. Há a possibilidade de que alguns detentos sejam transferidos para o sistema federal.

Para Pimentel, o rigor do sistema carcerário de Minas é que motivou a onda de ataques. O governador disse que o estado cumpre a lei de execução penal e que não irá transigir na política carcerária. 

"Estamos pagando o preço do nosso sistema prisional ser mais rigoroso do que a média brasileira. Aqui nós não afrouxamos o sistema carcerário para organização criminosa nenhuma e por conta disso estamos sofrendo ameaças e estamos sendo atacados", disse.

Especialistas consultados pela Folha, porém, indicam a superlotação dos presídios mineiros como um sinal de que os ataques podem ser uma reivindicação de melhorias. 

O secretário de Segurança Pública, Sérgio Menezes, admitiu que faltam vagas e que é preciso equacionar o problema, mas afirmou que Minas ainda é referência no país.

Ele mencionou o uso de bloqueador de celular em uma das 200 penitenciárias do estado como exemplo de insatisfação de membros da facção criminosa. 

Menezes afirmou que uma ligação dos ataques com crimes no Rio Grande do Norte está sendo estudada, mas que a rede envolve outros estados. O coronel Helbert diz que o estado de São Paulo está sendo envolvido na investigação, por exemplo.

"É uma ligação do sistema prisional que há ligação com outros estados, não especificamente o Rio Grande do Norte", disse o secretário. No sábado (2), um ônibus foi queimado em Natal e um policial militar foi assassinado em Parnamirim (RN).

No domingo, um ônibus foi parcialmente queimado em São Gonçalo do Amarante (RN). As investigações sobre os casos estão em curso no estado.

REFORÇO

A investigação em Minas está sob sigilo envolve uma força-tarefa de inteligência entre as polícias, incluindo a Polícia Federal. 

O policiamento foi reforçado nas duas regiões onde os ataques se concentram, com maior efetivo e policiais à paisana. "É difícil de prevenir e detectar, a maior parte dos ataques ocorre à noite", disse o governador.  

Até agora, as ações criminosas ocorreram nas cidades de Brazópolis, Monte Santo de Minas, Lagoa da Prata, Passos, Guaxupé, Alfenas, Poços de Caldas, Uberaba, Uberlândia, Pouso Alegre, Cruzília, Três Corações, Araxá, Santa Luzia, Uberaba, Belo Horizonte, Varginha, Três Pontas, Itajubá e Machado.

Um dos ataques mais recentes foi registrado em Varginha, na noite desta segunda (4). Um grupo não identificado invadiu uma oficina mecânica e incendiou um veículo do sistema carcerário que estava no local para conserto, por volta das 22h30. 

Segundo a Polícia Militar, o carro ficou destruído. Após buscas na região, os policiais prenderam dois homens e apreenderam cinco adolescentes. Eles foram levados à delegacia da cidade.

Na região metropolitana de Belo Horizonte, houve três ônibus parcialmente incendiados entre a noite de domingo e a madrugada de segunda. 

Bombeiros apagam fogo em ônibus
Ônibus queimado em Uberaba, em Minas Gerais - Divulgação/Corpo de Bombeiros

AÇÃO COORDENADA

O ex-secretário-adjunto de segurança do estado e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas, Flávio Sapori, afirma que está clara a ação de uma facção criminosa devido à coordenação, abrangência e sincronismo dos ataques.

"Esses atentados obedecem um plano de ação orquestrado, têm uma coordenação de liderança de uma mesma facção criminosa. Isso não tem mais como contestar", diz. Para ele, trata-se provavelmente do PCC.

Sapori diz que não está claro se as ocorrências têm ligação com os casos do Rio Grande do Norte.

"Tem a ver com a realidade de Minas, já que isso não se repetiu na mesma abrangência em outros estados. O processo de nacionalização do PCC me parece que atingiu Minas Gerais. O PCC fincou raízes e já tem lideranças mais fortes no estado, algo que não acontecia", diz. 

Para o advogado criminalista Fábio Piló, presidente da comissão de assuntos carcerários da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em Minas, a superlotação e a falta de investimento no sistema prisional explicam os ataques. 

"As unidades prisionais não funcionam. O índice de reincidência dos presos é de 80%. É uma bola de neve", afirma.

A população carcerária do estado é de 71.433 presos, segundo a pasta que faz a gestão do sistema prisional. Porém, o número de vagas nas 200 unidades prisionais do estado é de 35.886. 

Ao mesmo tempo, os assassinatos têm diminuído no estado. No primeiro trimestre deste ano, houve uma queda de 23% no número de vítimas.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública registrou 1.091 assassinatos de janeiro a março de 2017, contra 840 no mesmo período deste ano. Entre os crimes violentos, que incluem homicídios, estupros, sequestros e roubos, a queda foi de quase 30% no período.

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