Descrição de chapéu Mobilidade urbana

Prefeitura descumpre prazo e leva até 5 dias para reparar semáforo apagado

Casos graves demoram em média 4 horas para serem consertados; gestão Doria falava em 2 horas

Fabrício Lobel Flávia Faria
São Paulo

O motorista de ônibus Jorge Lopes, 60, sabe bem o efeito de um semáforo quebrado em seu trajeto diário. "A gente tem que dar preferência para carros menores, e os pedestres também querem atravessar. Tem que ir avançando com cuidado, mas é uma confusão", conta.

A primeira esquina encarada por Jorge em sua viagem diária a partir do terminal Correio, no centro de São Paulo, não ajuda muito nessa experiência. No cruzamento das ruas Brigadeiro Tobias e Coronel Batista da Luz, o semáforo já chegou a ficar apagado durante mais de cinco dias.

Semáforo quebrado na esquina da Alameda Eduardo Prado, com Alameda Barão de Limeira, no centro de São Paulo - Eduardo Anizelli - 07.jun.2018/Folhapress

Além do transtorno e do aumento do risco de acidentes, a demora para reparar o semáforo mostra como a prefeitura não conseguiu fazer com que as empresas responsáveis pela manutenção dos aparelhos fizessem o reparo do sistema com a agilidade que era prometida por João Doria (PSDB) —que saiu do cargo em abril para disputar o governo paulista e foi sucedido pelo vice, o também tucano Bruno Covas.

No primeiro semestre de 2017, a capital paulista viveu uma série de apagões nos semáforos após o término dos serviços terceirizados. A gestão tucana prometia solução ao firmar novos contratos, de mais de R$ 40 milhões por ano, com a iniciativa privada.

Dados obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, mesmo com os serviços terceirizados desde agosto, os defeitos mais graves em semáforos, que podem colocar o trânsito e a população em risco, levaram em média quatro horas para serem solucionados.

Em seis meses, houve 111 episódios considerados graves de semáforos que demoraram mais de 24 horas para serem reparados. Alguns casos foram extremos, como o do semáforo apagado na rua Brigadeiro Tobias, que levou cinco dias para ser consertado.

Quando anunciou o atual contrato de manutenção, o então presidente da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), João Octaviano Machado Neto, promovido por Covas a secretário dos Transportes, disse que os reparos de semáforos seriam feitos, em média, em duas horas.

"Vai mudar o número de equipes na rua, o número de equipes das empresas contratadas e o número de equipes próprias da CET. De maneira que a gente consiga fazer rapidamente uma atuação nesses semáforos. Nesse edital [do contrato] sai um tempo médio de duas horas para manutenção dos semáforos", disse em entrevista à TV Globo.

Em outubro, o ex-prefeito Doria foi ainda mais enfático: em um vídeo com mais 200 mil visualizações em suas redes sociais, afirmou que, com o auxílio das novas motos, os consertos seriam "no máximo" em duas horas.

O próprio contrato assinado com as empresas prevê o atendimento dos casos graves em até duas horas —período que pode ser prorrogado indefinidamente mediante apresentação de justificativas.

Pelos dados da CET obtidos pela Folha, entre agosto de 2017 e janeiro de 2018, quando os contratos de manutenção estavam em vigor, foram registradas 12.827 panes —a cidade inteira tem 6.300 esquinas com semáforos. Em 65% dos casos, a espera por uma solução foi maior do que as duas horas prometidas.

Na média de todos os tipos de falha (incluindo ainda casos menos graves, que não expõem a população a grandes riscos), a demora foi de 11,6 horas para uma solução.

Nos meses de 2017 anteriores à assinatura dos contratos de manutenção, a espera era de, em média, 15,2 horas.

Folha comparou ainda a espera por reparo em cada uma das panes com os prazos de atendimento previstos em contrato. A depender da gravidade da falha semafórica, estão estipulados três prazos: duas horas, 12 horas e 24 horas. Nessa comparação, o conserto dos semáforos ultrapassou o estipulado em 31% dos casos, levando em conta cada um dos prazos.

Nas falhas consideradas mais graves pela CET, que deveriam ter um reparo em até duas horas, o índice de atraso foi ainda maior: 47%.

 

A CET, entretanto, considera que a comparação dos prazos não é correta e que as promessas foram mal interpretadas. Diz que os tempos previstos seriam para chegar ao local, e não para solucioná-los.

Quando se observam as falhas de média e baixa gravidade (que têm prazos de 12 horas e 24 horas), percebe-se que em pelo menos 25 vezes os atrasos superaram um mês.

A maior espera por uma solução no período foi de 61 dias, intervalo em que a fechadura do computador que controla o semáforo da esquina da rua Thomas Carvalhal com a avenida Bernardino de Campos, no Paraíso, esteve quebrada. 

A falha não afeta o funcionamento do dispositivo, mas o deixa vulnerável a atos de vandalismo e às chuvas na cidade.

Em outro caso, uma das três luzes do semáforo da rua Inhambu, em Moema (zona sul), ficou 37 dias quebrada.

O campeão de falhas e consertos, porém, está na praça Pedro Corazza, entroncamento das movimentadas avenidas Marquês de São Vicente, Ermano Marchetti, Comendador Martinelli e Santa Marina, na zona oeste. Nos seis meses analisados, os semáforos quebraram 30 vezes.

Dono de uma banca de jornais na praça, Joaquim da Silva, 66, diz que, em dias de semáforo quebrado, a região fica ainda mais engarrafada do que de costume. "É buzinaço para tudo que é lado. Aí a CET tem que mandar três equipes, fica uma de cada lado da praça tentando arrumar o trânsito."

A CET diz que não há prazo máximo para solucionar uma falha em semáforo e que os limites estabelecidos são para chegar ao local do problema. Essa interpretação do contrato é favorável às prestadoras de serviço, que têm mais tempo para corrigir os defeitos.

O que ocorre é que as contratadas, em vez de respeitarem os prazos do contrato, acabam recorrendo a outra cláusula que diz que, em caso de falhas mais complexas, é possível estender o limite de tempo para que o semáforo volte a funcionar, desde que seja apresentada uma justificativa para a chefia da CET.

"O que a gente impõe às empresas é que elas cheguem ao local em duas horas [para os casos considerados mais graves]", afirma Milton Persoli, presidente da CET.

A companhia diz que sempre deixou pública a informação de que os prazos serviam para que as empresas chegassem aos semáforos quebrados, e não para arrumá-los.

A CET diz que nos defeitos mais graves, que colocam o trânsito em risco, as empresas cumpriram 100% dos prazos para chegar aos locais com problema. A companhia argumenta ainda que prioriza a emissão de ordens de serviço dos casos mais graves.

Segundo o presidente da CET, caso as empresas cheguem aos locais com atraso, elas serão multadas.

Segundo a companhia, até fevereiro deste ano, foram emitidas 30 multas às contratadas. A Folha contabilizou mais de 4.000 casos que poderiam ser classificados como atrasos.

No anúncio do contrato, assinado em agosto de 2017, a multa por demora no reparo das falhas foi celebrada pela gestão tucana como um grande avanço do contrato vigente se comparado aos anteriores.

Doria assumiu a prefeitura sem um contrato de manutenção dos equipamentos —que venceu no fim da gestão Fernando Haddad (PT). A administração negociou com prestadoras um prolongamento de garantia dos serviços prestados no ano anterior, o que durou cerca de três meses.

Depois disso, o que se viu foi um apagão nos semáforos da cidade. A CET improvisava colocando cavaletes e cones nos cruzamentos onde a sinalização não estava funcionando.

Enquanto isso, a prefeitura corria para aprontar um novo contrato que duraria um ano. A primeira tentativa de licitação foi questionada pelo Tribunal de Contas do Município. A segunda avançou, mas foi questionada na Justiça. Um desembargador disse que a concorrência tinha indícios de direcionamento. A empresa que acionou a Justiça desistiu do processo, alegando não ter mais interesse no serviço.

As vencedoras da licitação (Arc e os consórcios liderados por Serttel e Meng) eram as antigas prestadoras do serviço. Procuradas pela Folha, as duas primeiras não se manifestaram. Já a Meng diz que 8% de suas falhas graves não foram solucionadas em duas horas, mas que os casos foram justificados à CET.
O engenheiro de trânsito Luis Vilanova diz que a modernização dos semáforos serviria para agilizar os reparos.

"Já estamos atrasados para adotarmos essa medida. Se centralizar toda a rede, é possível monitorar os semáforos na rua em tempo real", disse.

A CET estuda criar uma PPP (parceria público-privada) para fazer a troca de semáforos da cidade, há décadas defasados. Resta saber como as empresas lucrarão com o modelo. A companhia já até pediu que a iniciativa privada encaminhe suas ideias.

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