Secular, ritual para servir chá é ensinado por japoneses a brasileiros

Festival lembrará 110 anos de imigração japonesa e terá sessão com bebida em SP

Mariana Zylberkan
São Paulo

​Na beira da sala de chá revestida de tatame, Sôen Hayashi, 72, é a representação da disciplina japonesa em cada correção ao mínimo gesto impreciso de seus alunos ao servir a bebida.

Embaralhando palavras em português e em japonês, ela só sossega quando um deles, o padre Antonio Fabiano Santos, 38, finalmente se posiciona no ponto específico do tatame destinado à pessoa que serve os convidados durante a cerimônia do chá tradicional japonesa, praticada atualmente pela 15ª geração no país.

A rigidez tem fundamento. Cada movimento tem um propósito e todos são repetidos da mesma forma desde o início do século 16, época em que o Japão era dividido em territórios e os samurais usavam o ritual como uma forma de dar uma relaxada e se afastar das disputas por terras ao menos por algumas horas. 

As espadas tinham que ser deixadas do lado de fora e todos os convidados, independentemente do prestígio social ou político, tinham que se curvar para entrar na casa de chá pela porta com apenas um metro de altura.

Há 30 anos Sôen ensina a brasileiros o ritual secular em torno do matchá, o chá verde em pó. Faz um ano que o padre da ordem das Carmelitas Descalças, que ministra missas na igreja Santa Teresinha, em Higienópolis (centro de SP), participa das aulas. 

“Me interesso pela cultura japonesa desde a infância, por causa dos desenhos de super-heróis, mas me aproximei de verdade depois de estudar [a poesia] haikai”, afirma.

De quimono e ajoelhado o tempo todo no tatame, o padre repete os movimentos sob orientação da instrutora, como a dobradura em doze partes do fukusasabaki, pedaço de tecido usado para limpar os utensílios usados na cerimônia. “É um gesto para purificar a alma dos participantes, que devem se afastar do mundo cotidiano e se aproximar do sagrado quando entra em uma sala de chá”, afirma Soichi Hayashi, presidente do Centro de Chado Urasenke do Brasil, filial brasileira da associação cultural japonesa responsável por preservar o ritual da cerimônia do chá.

A cerimônia do chá é realizada apenas em ocasiões especiais. A próxima sessão pública em São Paulo será em julho, durante o Festival do Japão (entre os dias 20 e 22 do mês que vem), que neste ano comemora os 110 anos da imigração japonesa no Brasil, completos nesta segunda (18).

Toda a cerimônia chega a durar quatro horas e é proibido falar sobre política, negócios ou qualquer outro assunto a não ser sobre as louças e apetrechos usados. 

“Cada tigela é considerada uma obra prima e é feita de maneira artesanal há centenas de anos pelas mesmas famílias no Japão”, diz o presidente da associação. 

A reverência à cerâmica impõe que o convidado gire a tigela em sentido horário duas vezes antes de beber o chá para que os desenhos sejam apreciados. O silêncio impera durante a maior parte da aula ministrada em uma sala comercial transformada em uma típica casa de chá, no bairro da Liberdade.

No fim do corredor do quarto andar de um prédio comercial, abre-se um jardim japonês, com caminho de pedras e fonte de água, onde estão instaladas três salas de chá.

O local existe na capital paulista desde 1978. Os convidados têm que entrar descalços no tatame, mas não podem caminhar sem os sapatos no lado de fora, conforme insiste a instrutora Sôen.

Primeiro, é servido um doce à base de pasta de feijão como uma forma de boas vindas. A cada item recebido, é preciso se curvar em sinal de agradecimento ao anfitrião. 

Em seguida, é servido o chá. A água aquecida a carvão em um braseiro instalado no tatame é colocada na tigela pelo anfitrião com o kensui, recipiente de bambu com uma haste longa. Em vez de infusão, o matchá é colocado direto na louça de cerâmica e um batedor de bambu é usado para misturar o pó à água quente até formar uma espuma na superfície da bebida.

O último gole tem sempre que ser chupado da tigela acompanhado do barulho característico. 

Outra aluna, a mexicana que vive no Brasil com o marido israelense Georgina Cruzaley, 33, é quem retira as louças após o convidado pedir para encerrar a cerimônia. Se não falar nada, o anfitrião deve lhe servir mais uma tigela de chá. “O mais difícil é ficar na posição ajoelhada no tatame”, diz ela, que, mesmo assim, frequenta as aulas de cerimônia do chá há cinco anos. 

O professor Hayashi explica que a prática do chá nunca chega ao fim. “Na cultura japonesa, o objetivo é o percurso.”

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