Total de mortes violentas no Brasil é maior do que o da guerra na Síria

Em 11 anos, Brasil enterrou 553 mil pessoas, segundo Atlas da Violência

São Paulo

O número de pessoas mortas de forma violenta no Brasil é semelhante ao de países em guerra. É o que revela o Atlas da Violência 2018, publicação do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça (5).

Segundo o documento, 553 mil pessoas foram assassinadas no país nos últimos 11 anos. O total de mortos é um pouco maior que o da Síria, país árabe que enfrenta sete anos de conflito armado e já contabiliza um saldo de 500 mil mortos, de acordo com estimativa da ONU (Organização das Nações Unidas).

 

Outra comparação dimensiona a explosão da violência em território nacional. Os poucos mais de 550 mil mortos são mais da metade do número de soldados ingleses, franceses e italianos que perderam a vida na 2ª Guerra Mundial (1945-1949).

O relatório do Atlas da Violência também mostrou que no ano de 2016 o país bateu novo recorde de homicídios, com 62.517 mortes, o que traduz em uma taxa também recorde de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes –30 vezes a taxa de homicídios da Europa.

MATANÇA DE JOVENS

Entre as vítimas, os mais afetados são os jovens entre 15 e 29 anos. De 2006 a 2016,  324.967 pessoas dessa faixa etária morreram de forma violenta no período analisado –o número é quase sete vezes o total de soldados americanos mortos em ação (47.434) em 20 anos da Guerra do Vietnã (1955-1975).

A taxa de homicídios da população jovem (65,5 mortos por 100 mil habitantes) também é o dobro da média nacional e mais de seis vezes a taxa global de homicídios de jovens (10,4), segundo a Organização Mundial da Saúde.

O incremento dessas estatísticas segue as desigualdades regionais brasileiras, e ao menos seis estados mantinham em 2016 índices de homicídios de jovens superiores a 100 casos por 100 mil habitantes: Sergipe (142,7), Rio Grande do Norte (125,6), Alagoas (122,4), Bahia (114,3), Pernambuco (105,4) e Amapá (101,4).

Consideradas apenas as mortes de jovens do sexo masculino, que representam 94% dos casos, a taxa média nacional sobe para 122,6 por 100 mil.

Além disso, enquanto o Acre viu esse índice aumentar 90%, houve redução acentuada da taxa em São Paulo (-14%) e nos estados do Espírito Santo (-13%) e da Paraíba (-14%) —ambos protagonistas das poucas políticas públicas de redução de homicídios de jovens.

“Estamos matando o futuro do país. E isso não é uma licença poética. Cada vez mais jovens são assassinados e em idades cada vez mais precoces”, diz o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e um dos autores do Atlas 2018.

“Em 1980, o pico da morte de jovens se dava aos 25 anos. Agora, ocorre aos 21.”“Existe um massacre da juventude brasileira, principalmente nas regiões Nordeste e Norte. E, em ano eleitoral, temos de questionar: que política pública está sendo proposta para isso?”, afirma Renato Sérgio de Lima, diretor-executivo do fórum.

DESIGUALDADE E COR

A desigualdade racial também está espelhada no perfil dos homicídios relatados pelo Atlas. De 2006 a 2016, o número de negros alvos de homicídio aumentou 23%, enquanto o de não-negros caiu 6,8%.

Em 2016, a taxa de homicídio de pretos e pardos (40,2/100 mil) era duas vezes e meia maior que a de não negros (16/100 mil). Já a taxa de mortes violentas intencionais de mulheres negras era 71% mais alta que a de não-negras.

O relatório do Atlas da Violência 2018 destaca um caso emblemático no recorte racial da violência letal no Brasil: Alagoas tem a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) do país e a menor taxa de morte de não-negros (4,1%). 

É como se os não-negros alagoanos vivessem nos EUA, que em 2016 registrou taxa de 5,3 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto os negros alagoanos morassem em El Salvador, cuja taxa bateu 60,1 mortos por 100 mil habitantes em 2017.

 

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