Após 7 anos, ação culpa prefeitura por demolição de casas tombadas em SP

Promotoria conclui que imóveis de Perdizes foram derrubados após aval; não houve má-fé, diz gestão

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São Paulo

Em 2011, quatro sobrados dos anos 1940 na rua Monte Alegre, em Perdizes (zona oeste de SP), foram demolidos, embora estivessem em processo de tombamento. Responsabilizado, Carlos Manuel Pereira, o proprietário, foi multado em R$ 958,6 mil pela prefeitura paulistana.

Sobrados da rua Monte Alegre, em Perdizes (zona oeste de SP), antes de serem demolidos em 2011 - Reprodução/Google Street View

Uma investigação realizada pelo Ministério Público, no entanto, concluiu que o dono dos imóveis não teve culpa alguma no episódio.

O erro, de acordo com o promotor Geraldo Rangel de França Neto, foi da própria administração municipal (gestão Gilberto Kassab), que autorizou a demolição dos sobrados ignorando a decisão de preservar os imóveis.

"Fiz tudo certo, pedi todas as autorizações necessárias, e, mesmo assim, vieram me encher o saco", afirma Pereira, que, agora, pretende processar o município exigindo uma indenização por danos morais e materiais da prefeitura.

O Ministério Público também entrou com uma ação judicial contra o poder público, em abril deste ano, cobrando uma reparação de R$ 5,2 milhões pelo prejuízo ao patrimônio cultural. A prefeitura diz que não houve má-fé.

O processo de tombamento dos imóveis geminados (números 296, 298, 306 e 308) foi aberto no dia 30 de agosto de 2011 pelo Conpresp, conselho municipal responsável pelo patrimônio histórico.

Naquela ocasião, o Conpresp considerou que "os imóveis eram uma importante referência" no bairro, "representando um tipo de ocupação que predominou ali entre os anos 1940 e 1950", antes do processo de verticalização, que se intensificou nos anos 1970 e alterou sua fisionomia.

Por conta dessa avaliação, o órgão decretou o tombamento provisório dos sobrados até que estudos técnicos mais aprofundados permitissem uma decisão definitiva.

O problema, segundo o Ministério Público, ocorreu porque o Conpresp demorou 90 dias para expedir as notificações necessárias sobre a decisão ao proprietário das casas.

A Promotoria diz também que a Prefeitura Regional da Lapa emitiu o alvará de demolição no dia 7 de novembro de 2011 sem fazer a devida consulta ao Cadastro de Imóveis Tombados da própria prefeitura —a informação sobre a necessidade de preservação fora inserida no dia 2 de setembro daquele ano.

"A falta de cautela e a inércia do município geraram dano ao meio ambiente cultural", escreveu o promotor na ação em que pede que a indenização seja paga pela administração ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos.

As casas tinham linhas construtivas simples, com poucos ornamentos, e eram de tamanho médio (132 m², 138 m², 145,5 m² e 268 m²), confortáveis e com recuo para jardim ou garagem, segundo o processo de tombamento.

O promotor considerou, com base em parecer do Departamento do Patrimônio Histórico, que não era recomendável exigir a reconstrução das casas, "pois causaria confusão na interpretação da paisagem como falsa imagem de obra antiga preservada".

Atualmente, no terreno, acrescido de uma área onde havia um quinto imóvel, está sendo erguido um prédio de escritórios de 13 pavimentos e três subsolos de garagem.

Área onde havia sobrados tem prédio em obras   - Joel Silva/Folhapress

Questionada pela Folha, a Prefeitura de São Paulo se limitou a dizer que autuou o proprietário dos imóveis demolidos em Perdizes, aplicando-lhe quatro multas que perfazem um valor total de R$ 958,6 mil.

Ela afirmou também que, em relação ao processo judicial que foi aberto pelo Ministério Público Estadual, "o município apresentaria contestação no prazo estipulado".

A reportagem obteve cópia da contestação apresentada pela prefeitura à Justiça no último dia 3 de julho.

No texto, a administração municipal volta a responsabilizar o proprietário dos imóveis, afirmando que o alvará foi expedido no dia 7 de novembro de 2011 e que no dia 11 do mesmo mês ele já havia iniciado a derrubada das casas.

"A excepcional rapidez do proprietário em efetivar a demolição mais que demonstra que ele tinha pleno conhecimento do tombamento [pelo patrimônio histórico]", afirma a defesa da gestão municipal.

Na contestação, a prefeitura paulistana refuta a tese de que houve demora no envio das notificações. De acordo com o texto, as casas demolidas integravam um processo de preservação que incluía ainda outros 40 imóveis.

"A municipalidade discorda veementemente de que houve qualquer forma de omissão ou demora", diz um trecho da manifestação. "Requisitar certidões atualizadas de matrículas, identificando proprietários e seus endereços, para envio de 144 ofícios, não é providência simples, mas um processo que demanda tempo", afirma a prefeitura.

No documento, a prefeitura afirma ainda que consultou, sim, o boletim de dados técnicos, mas que, então, "não havia qualquer restrição ao imóvel por parte do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo)". 

Segundo a petição da prefeitura, o alvará não foi imediatamente concedido, pois o proprietário dos imóveis em Perdizes precisava apresentar a anuência do órgão estadual de patrimônio, o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo).

Nesse meio tempo, veio a decisão do conselho municipal, e o cadastro não foi consultado novamente. 

"Foge do razoável alegar que o funcionário público deve reconsultar os arquivos municipais diariamente", afirma a defesa.

Segundo a prefeitura, não houve má fé, dolo ou culpa, mas, sim, uma coincidência infeliz de datas, e, portanto, a prefeitura deve ser absolvida.

Bairro foi ocupado por donos de estábulos 

O bairro de Perdizes, na zona oeste de São Paulo, começou a se formar no final do século 19, em torno de uma modesta capela erguida no largo Padre Péricles, à época chamado de Largo das Perdizes, segundo o Departamento do Patrimônio Histórico da prefeitura.

Os primeiros moradores eram pessoas humildes e de poucos recursos, entre os quais havia chacareiros e donos de estábulos que viviam da venda de verduras e leite. Esses pequenos proprietários foram abandonando o bairro depois que foi proibido o funcionamento de estábulos. Com a saída, houve o loteamento dos terrenos.

O processo de ocupação de Perdizes começou a se intensificar nos anos 1940 e 1950, com a construção de moradias e de casas de aluguel. Ainda nos anos 1950, surgiram os primeiros prédios no bairro, como o condomínio erguido na rua Doutor Homem de Mello, esquina com a rua Ministro Godoy.

Mas foi nos anos 1970 que o processo de verticalização da região se tornou mais intenso, mudando a sua configuração. Atualmente, Perdizes e suas imediações estão entre as regiões de maior valorização imobiliária da zona oeste da cidade de São Paulo.

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