Capela que restou do 1º cemitério público de SP tem estrutura abalada

Novas rachaduras apareceram na capela dos Aflitos, erguida em 1774, no centro

igreja ao fundo de beco com carros parados e lanternas japonesas

O templo, escondido ao fim da rua de 50 metros; ligado à história dos negros em SP, recebe até adeptos do candomblé Eduardo Anizelli/ Folhapress

Fabrício Lobel
São Paulo

Um beco de 50 metros de extensão com uma capela de taipa ao fundo erguida em 1774 é tudo o que sobrou do primeiro cemitério público de São Paulo, na Liberdade.

O terreno do cemitério foi loteado no fim do século 19 e, desde então, deu lugar a lojas, restaurantes e galerias que hoje espremem a capela no fim da rua dos Aflitos, no centro.

No intenso movimento de carros e pedestres, nem todos a enxergam. 

Os veículos de carga que ocupam a rua não ajudam, assim como o conjunto de quatro postes imitando lanternas japonesas, tradicionais no bairro, e a lenda urbana de que o beco é assombrado.

Recentemente, fiéis acumularam outra preocupação: o risco de a igreja ruir. Por anos, a construção ficou sem manutenção —um projeto de restauração foi aprovado em 2011.

Além disso, a demolição irregular de um prédio vizinho abalou a estrutura.

Novas rachaduras apareceram. E uma placa de madeira ampara a parede da pequena sala onde são guardados o vinho e a hóstia para as missas.

O aspecto da capela é de simplicidade. Falta tinta em vários nichos que abrigam imagens dos santos. O coro está rebaixado. A porta de madeira e as paredes externas têm pintura descascada.

A comunidade que frequenta o local fundou uma associação, que agora pressiona Igreja, prefeitura e os departamentos do patrimônio histórico a restaurarem o templo.

Os religiosos receberam ainda o apoio da Nova Frente Negra Brasileira, que quer resgatar a história de escravizados condenados à morte no bairro da Liberdade e sepultados no antigo cemitério.

“É uma posição filosófica e política de valorização da nossa história”, diz o escritor Abílio Ferreira, 57. “Discutimos também a recente mudança do nome da estação de metrô [que neste mês deixou de chamar Liberdade para se chamar Japão-Liberdade]”.

Ana Barone, a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, menciona o vínculo do bairro com a questão negra. Barone, que estuda o desenvolvimento urbanístico sob o aspecto do racismo, explica que os fundos da cidade eram o que é hoje a praça da Liberdade. Ali estavam as instalações públicas menos nobres: casa da pólvora, forca e cemitério público.

“O cemitério era dedicado às pessoas que não tinham credenciais sociais: indigentes, não católicos e escravizados. E, como muitos negros foram sepultados ali, o local passou a ser cultuado por escravizados”. Até hoje, a capela é uma referência na devoção às almas.

Michael Amoruso, antropólogo americano que estuda religiões, explica que o culto às almas tem uma origem católica forte, mas, por ter sido popular no país desde o período colonial, ganhou ainda roupagens e adeptos de crenças espíritas e de origem africana.

Às segundas-feiras, dia de culto aos antepassados nas igrejas e único dia de missas na capela dos Aflitos, o templo lota. Cerca de 80 religiosos chegam a se reunir durante as missas. Corredores e entradas também ficam cheios. Por vezes, uma dezena de pessoas fica da porta para fora.

Outros tantos vão à igreja apenas para acender velas no velário. Entre eles, está o executivo Antônio, 54, que não quis ter o sobrenome publicado. Todas as segundas ele aproveita a hora do almoço para acender velas. “Peço por mim, pela minha família, pelos que já foram”, diz ele, cuja religião é o candomblé.

Enquanto os fiéis seguem a tradição, a Prefeitura de São Paulo embargou e emitiu uma multa de R$ 1.461,58 na obra no terreno vizinho. Já o Condephaat (órgão estadual de patrimônio) mandou a Cúria de São Paulo reformar a igreja.

A representação da Igreja Católica disse que busca parceiros e que abriu diálogo com uma empresa interessada em executar a obra.

 

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