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Enfermeiros desafogam fila da saúde em SC

Florianópolis capacita enfermagem para consultas e prescrições; CFM resiste

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Florianópolis e São Paulo

​O aposentado José Manuel Vasques chega à unidade de saúde para renovar a receita do anti-hipertensivo. Diabético e um pouco anêmico, ele é acompanhado por uma equipe de saúde da família em Florianópolis (SC).

No consultório, o enfermeiro Mateus da Silva Kretzer pergunta como Vasques está se sentindo, olha o prontuário no computador, checa as medicações usadas e mede a pressão arterial. Tudo em ordem. Quinze minutos depois, o aposentado é liberado.

“Às vezes, me consulto com a médica, outras passo só com o enfermeiro. Mas nunca saio daqui sem ser atendido”, diz Vasques, 65, que perdeu o plano de saúde em 2013 e desde então é atendido no SUS.

Capital com a maior cobertura de saúde da família do país, Florianópolis tem capacitado a enfermagem para fazer consultas, prescrever alguns remédios, renovar receitas, além de pedir exames de acompanhamento do paciente (por exemplo, de glicemia).

Nas unidades de saúde, esse profissional possui consultório próprio e divide com o médico de família o cuidado de diabéticos e hipertensos controlados, o acompanhamento do pré-natal de baixo risco e a testagem e o tratamento de pessoas com HIV e sífilis, além de fazer exames preventivos de câncer de colo uterino e de mama.

Desde 2013, quando os enfermeiros passaram a ter uma atuação clínica mais efetiva, houve um aumento de 30% do acesso da população aos serviços de saúde, chegando a 210.404 pessoas em 2016 (últimos dados consolidados).

“O importante não é só aumentar o acesso, mas qualificar a rede, garantir que o serviço seja prestado dentro da melhor evidência científica existente”, afirma Elizimara Siqueira, responsável pela enfermagem da rede municipal de Florianópolis e conselheira do Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina.

Os protocolos clínicos de enfermagem de Florianópolis seguem recomendações do Ministério da Saúde e do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem). Também se baseiam em diretrizes de instituições renomadas como BMJ (British Medical Journal) e Cochrane (uma rede de cientistas independentes que investiga a efetividade de tratamentos).

No município, o tratamento inicial de sífilis, doença que avança no país todo, triplicou. Entre 2013 e 2016, a média de casos novos atendidos por médicos e família e clínicos-gerais era de 20 por mês.

A partir de 2016, quando a enfermagem foi capacitada também para cuidar da doença, o número mensal de novos pacientes pulou para 70. Os enfermeiros fazem o teste rápido para a detecção da sífilis e, se positivo, imediatamente já medicam o paciente com penicilina.

“Em muitos lugares do nosso país, a gente vê a doença na nossa cara e não pode tratar”, diz a enfermeira Anna Carolina Rodrigues, do departamento de vigilância do município de Florianópolis.

Em muitas situações, porém, a enfermagem faz o trabalho de diagnóstico e tratamento da sífilis de forma camuflada, com aval do médico da unidade de saúde.

“É muito frequente o enfermeiro bater na porta do médico já com a prescrição pronta [de penicilina] e só pedir para ele assinar”, diz Elizimara.

Uma recente parceria entre a Opas (Organização Panamericana de Saúde) e o Cofen quer ampliar a atuação clínica dos enfermeiros no SUS como forma de aumentar o acesso e a eficiência dos serviços de atenção básica à saúde, como ocorre em países com sistemas universais, como Reino Unido e Canadá.

A proposta é treinar esses profissionais para uma enfermagem de práticas avançadas, que envolverá um mestrado profissional ou uma residência na especialidade.

Essa também é uma das recomendações de um relatório do Banco Mundial para tornar a atenção primária mais eficiente. Mas a atuação clínica dos profissionais enfrenta resistência dos conselhos médicos. No ano passado, o CFM (Conselho Federal de Medicina) ingressou com ação na Justiça tentando proibir essas atividades da enfermagem sob a alegação de que elas invadiriam as atribuições dos médicos. O caso foi arquivado.

Para Donizetti Giamberardino, coordenador da comissão de defesa do SUS do CFM, o embate não é motivado por corporativismo. “Defendemos os princípios de universalidade e equidade do SUS, a mesma medicina de qualidade para todos.”

Segundo ele, o sistema deve ser multiprofissional, mas sem substituição do médico por outro profissional da saúde. Ele afirma que os protocolos de enfermagem geram uma preocupação em relação à segurança do paciente porque o diagnóstico clínico envolve muitas nuances que só o médico está capacitado para entendê-las.

No entanto, entre médicos de família e enfermeiros de Florianópolis, a convivência é harmônica. “Há um respeito mútuo e uma união de esforços para fazer o melhor possível pelo paciente. Sem o trabalho da enfermagem, não daríamos conta de atender a todos”, diz a médica de família Danusa Graeff Chagas Pinto, coordenadora de uma unidade de saúde.

“Nossa prática não vem substituir o papel do médico em nenhum serviço de saúde. A ideia é fornecer à população o que lhe é direito, e nós temos formação técnica para suprir, mas, por ignorância de gestores, nem sempre conseguimos executar”, diz a enfermeira Anna Carolina.

Quase dois terços dos 303 enfermeiros da capital catarinense têm formação em medicina de família. O município mantém uma residência na especialidade para médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde.

“A gente não abre mão da evidência, tanto para a segurança do profissional quanto para o do paciente. E não é só um copia e cola dos estudos. Há uma comissão que opina, questiona. A rede é parte da construção do protocolo”, explica Elizimara.

Os protocolos levam em conta as demandas que mais chegam ao posto. “Não queremos estar na porta de entrada só fazendo triagem do que o médico vai atender ou não. Queremos ser resolutivos.”

Entre as 27 unidades da federação, Santa Catarina ocupa o 1º lugar no Ranking de Eficiência dos Estados - Folha (REE-F). Confira a situação de outros estados. 

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