Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Museus improvisam no Rio por falta de recursos, e tempo é desafio

Orçamento de instituições públicas não permite melhorias sem ajuda extra

Francesca Angiolillo
Rio de Janeiro

 As labaredas ainda consumiam o Museu Nacional quando as inquietações começaram a surgir. E a Biblioteca Nacional? E o Museu Nacional de Belas Artes?

A preocupação ecoou mundo afora. A Unesco mandará uma missão ao Rio por 15 dias, a partir da semana que vem, não só para acompanhar os trabalhos nos escombros do incêndio mas para identificar problemas em outros museus. 

Sede do poder por quase 200 anos, de 1763 até 1960, quando Brasília tornou-se capital federal, o Rio guarda boa parte da riqueza histórica do país —e o faz em prédios que são em si parte da história.

O tempo, matéria-prima de museus e arquivos que a Folha percorreu na semana passada na cidade, é também o maior inimigo dessas instituições.

Por um lado, está o tempo histórico acumulado —trabalhar em edifícios antigos e tombados impõe enormes dificuldades de adaptação às necessidades de segurança e aos requerimentos técnicos da preservação do patrimônio.

Por outro, há o tempo requerido por todos os processos da coisa pública —as licitações exigidas para qualquer melhoria, as aposentadorias de servidores experientes que só podem ser repostos em concursos, a morosidade para liberação de verbas consideradas não emergenciais.

A Folha visitou quatro espaços no Rio que estão entre as 30 unidades geridas pelo Ibram, o Instituto Brasileiro de Museus, autarquia vinculada ao Ministério da Cultura.

Foram eles o Museu Nacional de Belas Artes, Museu da República, Museu Histórico Nacional e Chácara do Céu.

Esteve também em dois arquivos cruciais para a memória brasileira: a Biblioteca Nacional, mais antiga instituição cultural do país, e a Casa de Rui Barbosa.

Esta preserva, além do acervo do jurista que lhe dá nome, na casa em que ele vivia, arquivos de escritores, com ênfase no século 20, como Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Pedro Nava.

Tanto a BN quanto a Casa Rui são fundações mantidas com verbas do MinC.

Nenhum dos seis espaços visitados tem o auto de vistoria do Corpo de Bombeiros, documento que atesta o cumprimento de exigências de segurança contra incêndio.

Isso não significa, contudo, que visitantes e acervos estejam sob risco iminente. 

Todos mantinham extintores, hidrantes e outros equipamentos checados por conta própria, dimensionados e distribuídos de acordo com consultorias de segurança contratadas para esse fim.

“Em janeiro terei projeto executivo de prevenção e combate a incêndio”, promete Mário Chagas, diretor do Museu da República, no Catete, e do Palácio Rio Negro, em Petrópolis —ambos correspondem a uma só unidade do Ibram. Depois, será preciso licitar a execução desse projeto.

O museólogo Chagas dirige desde abril passado os espaços que foram respectivamente residência e local de veraneio dos presidentes até Juscelino Kubitschek (1956-61).

Recebeu o Palácio do Catete com a fiação renovada. Agora, espera a aprovação do Iphan para fazer a reforma elétrica do anexo onde despacha, no âmbito do PAC Cidades Históricas, linha de crédito para sítios urbanos protegidos pelo órgão federal de patrimônio.


Alguns dados sobre os museus visitados 

O MNBA funciona num edifício de 18 mil m² e tem um acervo de mais de 20 mil obras; seu orçamento anual é de R$ 12 milhões; só o restauro das fachadas e cúpulas e ampliação do equipamento de segurança está orçado em R$ 20 milhões

A direção do Museu da República, que guarda no Palácio do Catete acervos presidenciais e de fatos da história do país, como as fotos da Guerra de Canudos, responde também pelo parque aos fundos e pelo Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Para isso, conta com R$ 8 milhões ao ano

Com constantes problemas no telhado, o Museu Histórico Nacional fechou uma de suas alas após goteiras, diminuindo a área de exibição, e recebe material, como lâmpadas de LED, em permuta pelo uso do espaço em eventos, complementando os R$ 7,4 milhões anuais para o acervo de 250 mil peças

Os Museus Castro Maya dividem cerca de R$ 2 milhões ao ano e sofrem com o acesso difícil, tanto na Chácara do Céu quanto no Museu do Açude; um anexo à primeira acomodaria a reserva técnica do acervo de 12 mil peças e teria um plano inclinado para levar pedestres ao alto de Santa Teresa; a obra está parada.


Para gerir os dois palácios, recebe anualmente do Ibram cerca de R$ 8 milhões anuais, que servem para custos de manutenção, incluídos os 48 seguranças terceirizados.

Agora, Chagas planeja um financiamento coletivo para restaurar o gradil e o coreto do parque aos fundos do palácio, um espaço muito querido pelos moradores dos bairros vizinhos, Catete e Flamengo.

Todos os gestores de museus do Ibram visitados buscam diferentes formas de patrocínio para complementar o orçamento de suas unidades.

O historiador Paulo Knauss, desde outubro de 2015 à frente do Museu Histórico Nacional (MHN), é taxativo. “O modelo de gestão de cultura no país hoje, por editais, não favorece a gestão do patrimônio.” 

“O que gasto cuidando de moeda”, diz Knauss, que tem entre os destaques o acervo numismático (moedas, medalhas, cédulas e selos), “não permite fazer mostra”. “Aí tem que parar tudo porque abre edital do BNDES e eu preciso correr atrás do dinheiro.”

Em vez disso, ou em complemento, busca alternativas. Abre parte do prédio do século 17 —antigo arsenal de guerra à beira-mar, hoje à beira da avenida que o separa do aeroporto Santos Dumont— para mostras como a da banda Nirvana, em 2017, e eventos. 

O museu tem também uma associação de amigos, que oferece descontos e entrada grátis a seus patronos, em troca de contribuições anuais de R$ 50 (estudantes) ou R$ 200.

No ano passado, os Museus Castro Maya —Chácara do Céu, em Santa Teresa, na região central, e Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, na zona norte— comemoraram 25 anos do projeto Os Amigos da Gravura, que angaria fundos com a venda de gravuras inéditas feitas para a instituição.

Duas ou três vezes ao ano, um artista é convidado e realiza uma exposição, além da gravura, da qual são feitas 60 impressões; 50 são vendidas, e 10 doadas a museus.

Vera de Alencar, que desde 1995 dirige os museus, conta que, no início, eram 100 cópias. “Com a crise”, caíram a 60. O programa tem aporte do banco Safra, que neste ano foi de cerca de R$ 100 mil.

Essa contribuição regular serve de lastro para que seus museus apresentem projetos à Lei Rouanet. Isso porque, para serem autorizados a captar verba pela lei de incentivo, é preciso que o postulante garanta em caixa uma porcentagem do valor pleiteado.

Mesmo autorizada a captar recursos por esse meio, a instituição não conseguiu interessados em bancar uma mostra pelo cinquentenário de morte de seu patrono, Raymundo Ottoni de Castro Maya.

O colecionador, bibliófilo e editor construiu em 1954 a versão atual da Chácara do Céu, hoje casa de sua coleção, que inclui obras de Portinari e Debret, expostas num gaveteiro adaptado para obras em papel, no seu ex-quarto de vestir. 

Alencar iniciou a construção de um anexo à Chácara do Céu para a reserva técnica, mas a obra foi interrompida. 

A estrutura resolveria ainda o problema do acesso relativamente difícil para quem vem a pé ou em transporte público, pois conta com um plano inclinado com entrada a 30 m da estação Curvelo do bondinho de Santa Teresa.

A Rouanet é fonte de recursos também para ações pontuais, como o restauro de peças do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), cujo acervo inclui obras de Eugène Boudin, professor de Monet, e a monumental tela “Batalha do Avaí”, de Pedro Américo

O museu tem um laboratório de restauro muito bem equipado, a ponto de seus serviços serem requisitados por outras instituições —mas apenas duas restauradoras, uma de papel, outra de pinturas.  

Mônica Xexéo, diretora do museu desde 2006, conta que, nos anos 1980, quando ingressou no museu, eram 25.

Desde 2010, o Ibram não faz concurso para servidores. Cabe ao Ministério do Planejamento permitir a realização de seleções do setor público que, como um todo, sofre com a perda de quadros ativos.

A biblioteca do Museu da República tem 19 mil itens, entre livros e documentos —mas, com um só bibliotecário, não pode ficar aberta ao público.

Em janeiro, 30 servidores do MNBA podem se aposentar; nos Museus Castro Maya, serão 6 —20% do seu quadro.

Não é apenas a falta de braços que aflige os gestores de museus, mas a perda de conhecimento. “A pessoa que passa um ano estudando um leque não pode, na semana seguinte, cuidar de bronze”, resume Knauss, do MHN.

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