Descrição de chapéu Folha Verão

Turista faz caça a bandeira para escapar de praias poluídas em Ilhabela

Apenas um dos 19 pontos de banho na orla da cidade turística está liberado para mergulhos

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Praia do Perequê é um dos 18 pontos em Ilhabela considerados impróprios para banho devido à alta concentração de agentes poluentes nas águas

Praia do Perequê é um dos 18 pontos em Ilhabela considerados impróprios para banho devido à alta concentração de agentes poluentes nas águas Zanone Fraissat/Folhapress

Ilhabela (SP)

Escolher a melhor praia para passar o dia em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, virou uma espécie de caça a bandeiras. A sinalização na cor verde, indicativo de praia própria para banho, está presente em apenas uma delas, a do Pinto.

Há um mês, das 19 praias do arquipélago, 18 receberam o sinal de poluição, de acordo com a medição da Cetesb, agência estadual de controle de poluição. A indicação de água poluída está presente em pontos famosos, como as praias da Feiticeira e da Ilha das Cabras, na parte sul de Ilhabela

"Estou há três dias aqui e ainda não vi nenhuma bandeira verde", disse a professora aposentada Maria Scalise, 67, que costuma descer a serra rumo ao arquipélago nas férias de verão. "Nem ouso entrar na água, só molho os pés", lamentou ela enquanto caminhava pela praia da Feiticeira. 

A poucos metros a comerciante Carmem Santos, 54, cuidava para que a filha Ana Júlia, 4, encostasse apenas os pés na água do mar. "Vamos para a praia apenas uma vez por ano e é triste ficar só no raso", disse. 

De acordo com a Cetesb, mais de metade das praias de Ilhabela foi considerada imprópria para o banho ao longo de quatro semanas em 2018, distribuídas nos meses de fevereiro, novembro e a lista aumentou agora, entre dezembro e janeiro, períodos que coincidem com o aumento da população devido a chegada dos turistas. A bandeira vermelha é hasteada quando o órgão encontra alta concentração de poluição fecal nos pontos de coleta. 

A sinalização que funciona como repelentes de turistas é consequência direta do saneamento deficiente do arquipélago. "Hoje temos 50% do esgoto coletado", diz o prefeito de Ilhabela, Márcio Tenório (PMDB). 

Mesmo o esgoto coletado não recebe o tratamento indicado. No balneário, os rejeitos passam apenas pela primeira de três fases de tratamento e retira somente os resíduos sólidos mais grosseiros, como fraldas e absorventes. O restante recebe cloro e é jogado na água do mar por emissário submarino localizado a cerca de 800 metros da praia de Itaquanduba, no norte da ilha. "O esgoto produzido por 25 mil pessoas é lançado no oceano sem tratamento", diz Gilda Nunes, coordenadora do instituto Ilhabela Sustentável.

Ao ser questionado sobre o alto índice de poluição nas praias, o prefeito de Ilhabela disse questionar o método usado pela Cetesb para fazer a medição e atribuiu o aumento de bandeiras vermelhas às chuvas abundantes com a chegada do verão. Segundo ele, as águas difusas [poluídas] chegam às praias como consequência dos temporais. Mas, reconheceu o problema de saneamento na cidade. "As praias estão impróprias porque não tem saneamento básico."  

A praia de Itaquanduba, onde está localizada a estação de tratamento de esgoto, ocupa o segundo lugar no ranking de praias que passaram mais tempo impróprias para banho neste ano, e foi reprovada em 46% das análises feitas pela Cetesb. Em 2017, o órgão estadual contabilizou apenas uma praia em Ilhabela que passou de 25 a 50% do ano com bandeira vermelha. Neste ano, a medição apontou quatro praias nessa situação: Itaquanduba, Itaguaçu, Perequê, Ilha das Cabras e Portinho. 

Outro agravante para a dispersão do esgoto se dá pelo desenho geográfico de Ilhabela. Por estar em um canal, parte da ilha acaba recebendo o esgoto da vizinha São Sebastião, que também usa emissário submarino para dispersar os rejeitos. No caso, o esgoto do continente polui a praia do Pinto, localizada na mesma direção da estação de tratamento de esgoto da cidade, que está imprópria para banho. 

Além disso, o sistema de bombeamento de esgoto em Ilhabela é prejudicado sempre que chove muito, como acontece todo verão. "As bombas já funcionam de forma saturada e, quando chove, o acúmulo de água faz com que o sistema transborde e contamine praias e rios", diz Gilda. 

A preocupação atual é que as bombas têm transbordado também em períodos de estiagem.  "Estamos no nosso limite. Nem o esgoto da população local está sendo escoado, imagina com a chegada dos turistas."

A ocupação desordenada de morros e áreas de conservação ambiental é mais um obstáculo para o sistema de saneamento. Com população estimada em 34.333 habitantes, o arquipélago registrou crescimento de 21,7% nos últimos oito anos, quase o dobro do crescimento demográfico calculado na capital paulista, por exemplo, que foi de 8% no mesmo período. 

Dinheiro não falta para as obras de saneamento. A Prefeitura de Ilhabela tem autorização desde 2017 para destinar 10% dos royalties adquiridos com a exploração do petróleo para o tratamento de água e esgoto. Em 2018, esse percentual representou R$ 40 milhões, contra R$ 4 milhões praticados em orçamentos anteriores, mas apenas R$ 7 milhões foram gastos até dezembro em obras de extensão da rede coletora. 

De acordo com o prefeito Márcio, o saneamento básico em Ilhabela será universalizado em até seis anos. Período em que prometeu cumprir as três fases de tratamento do esgoto da ilha para que o efluente chegue menos carregado no oceano.

Há, porém, críticas às promessas da gestão. "Nossa prefeitura não tem gente qualificada, os funcionários não conseguem fazer os projetos e encaminhá-los para licitação. Estamos longe de resolver esse problema", diz a coordenadora do instituto Ilhabela Sustentável. 

Assim como Ilhabela, outros municípios do litoral norte de São Paulo ostentam mais bandeiras vermelhas do que verde neste início de verão. 

Em São Sebastião, metade das 30 praias estão classificadas como impróprias para banho, inclusive, destinos concorridos como Barra do Camburi, Boiçucanga e Baleia. 

Na vizinha Ubatuba, há 13 praias com bandeiras vermelhas, como Itamambuca, Toninhas e praia Dura. 

De acordo com a Cetesb, o contato com a água do mar avaliada como imprópria expõe o banhista a bactérias, vírus e protozoários que podem transmitir doenças como gastroenterite e hepatite A. Pessoas com imunidade frágil, como crianças e idosos, correm risco de contrair variações mais agressivas dessas doenças e, portanto, devem redobrar os cuidados.  

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