Descrição de chapéu Tragédia em Brumadinho

Lama tira sono e tranquilidade de bairro da zona rural de Brumadinho

Corpos foram encontrados e casas foram destruídas no Parque da Cachoeira

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Brumadinho (MG)

Vera não dorme em casa há uma semana e, se depender dela, nunca mais vai dormir. É só pregar o olho que vem logo aquele “monstrengo” de lama engolindo tudo de novo, chegando a poucos metros da pequena chácara que estava construindo havia três anos com o marido.

Escolheu com cuidado aquele cantinho de Brumadinho (MG), justamente por causa da tranquilidade, da paz e do silêncio. Desde o dia em que teve que puxar seus vizinhos “de idade” pelo braço morro acima para fugir da onda de rejeitos, porém, isso tudo virou incerteza.

O medo de outra barragem da região se romper ainda é tanto que Vera Lucia Ribeiro, 40, não esperou nem dois dias para alugar outra casa na cidade em que trabalha, Mário Campos (também na Grande Belo Horizonte).

Agora não sabe o que vai ser da chácara, do dinheiro do aluguel nem do bairro, o até então pacato Parque da Cachoeira. O sentimento é comum para os mais de 500 moradores da área, que ainda se organizam e tentam amortecer os danos da tragédia.

Os rejeitos de minério de ferro da Vale lamberam toda a borda do bairro antes de chegarem ao rio Paraopeba, transformando cerca de 50 casas, plantações e matas inteiras em um só mar de lama. 

Dez dos 121 corpos achados até agora estavam ali, possivelmente vindos do setor de administração da mineradora. Um relatório de risco da empresa de 2018 já previa que, em caso de rompimento da barragem, parte do bairro seria afetada. 

A dez minutos de carro do centro de Brumadinho, Parque da Cachoeira é cercado por fazendas, córregos e pelo rio Paraopebas. As ruas são de terra ou cobertas com calçamento de pedra, e o esgoto é por fossa. Não há escolas e o único posto de saúde estava sem médicos até a tragédia.

Grande parte da população do bairro trabalha no campo ou em pequenos comércios. Há ainda quem trabalhe com minério, na Vale e em outras duas mineradoras próximas, onde dizem ser mais fácil conseguir emprego. 

Nos finais de semana, o rio Paraopeba, agora atingido pela lama, era o lazer de quem queria se banhar ou pescar. Depois da queda da barragem, os moradores foram tomados pela apreensão. 

 
 

“Até hoje a gente não sabe qual área do bairro é segura se houver outro rompimento. Acho que a gente vai ser esquecido aqui”, diz a comerciante Flávia da Silva, 30, que é um dos 12 membros de uma comissão criada no bairro de atingidos pela tragédia.

Dois dias depois de a lama já ter tomado a região, carros circularam durante a madrugada alertando para o risco de uma barragem de água ruir. Mas foi alarme falso. 

“Foi um desespero só, todo mundo correndo para as partes altas”, conta a faxineira Deniseana França, 39.
Desde o desastre, as reuniões mensais que a associação de moradores fazia viraram quase diárias e agora envolvem toda a comunidade. Elas acontecem em uma tenda montada pela Vale ao lado da associação, que virou um ponto de apoio para doações, entrega de água potável e atividades recreativas com as crianças que vivem ali.

Alguns encontros envolvem Ministério Público e Defensoria Pública. A ideia é centrar forças para negociações com a mineradora. “Eles alugaram casas afastadas para os desabrigados, para nos separar”, critica Ademir Caricati, 60, vice-presidente da associação.

Entre os medos dos moradores estão, além de um novo rompimento, a possibilidade de a lama ser tóxica e prejudicial à saúde e a falta de amparo público e da empresa. 

“A Vale tem que explicar se nós temos condições de continuar criando nossos filhos no bairro”, cobrava um morador na reunião que aconteceu no último sábado (2).

A água é outra preocupação. Um córrego e parte dos poços artesianos que abasteciam o bairro foram prejudicados, por isso tem sido necessário um atendimento emergencial da Vale com caminhões-pipa. Como não se pode mais tomar água da torneira, é preciso buscar garrafas no ponto de apoio.

Outras dúvidas em Parque da Cachoeira envolvem o valor dos repasses da mineradora aos moradores e proprietários de terras —há muitos sítios cujos donos só aparecem aos finais de semana, o que faz subir para mais de 1.000 o número de habitantes da área.

A Vale anunciou que famílias que tivessem perdido seus parentes receberiam R$ 100 mil. Quem tivesse tido sua casa danificada, mais R$ 50 mil, e quem perdesse sua atividade comercial, R$ 15 mil. O temor é de que esses recursos, chamados pela empresa de doação, sejam descontados de uma futura indenização. 

A comunidade reclama ainda da demora de socorro da prefeitura. Quando casas foram interditadas, a coordenadora da Defesa Civil Municipal, Gislene Parreiras Zuza, chegou a declarar que os moradores não teriam o apoio do órgão para serem realocados e os orientou a procurar a Vale.

Questionada, a prefeitura não se manifestou sobre o tratamento dado à comunidade.

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