Recém-iniciadas, obras no Arouche não incluem mercado de flores

Segundo arquiteto, por falta de recursos não há previsão para novo prédio, crucial para remodelação do largo no centro de SP

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Mercado de flores do Arouche, que deveria ser substituído na reforma; por ora, não há verbas

Mercado de flores do Arouche, que deveria ser substituído na reforma; por ora, não há verbas Eduardo Knapp - 4.abr.17/Folhapress

São Paulo

​Enquanto ao seu redor o Arouche começa a mudar, as velhas bancas de flores ficarão lá, iguais. Elemento central da reforma do largo no centro de São Paulo, o novo prédio para o mercado não tem data para sair do papel.

As obras, iniciadas no último dia 24, contam com R$ 2,3 milhões, captados junto à iniciativa privada pela Câmara de Comércio França-Brasil.

O montante cobre apenas as fases 1 e 2 do projeto, anunciado em 2017, ainda na gestão de João Doria (PSDB) como prefeito, e concebido pelo escritório franco-brasileiro Triptyque.

A marquise que abrigaria as bancas que ali vendem flores desde 1952 —com cobertura que captaria água pluvial para irrigar o largo e células fotovoltaicas que lhe dariam autonomia energética— custaria outro R$ 1,5 milhão.

Durante a cerimônia de abertura das obras, o prefeito Bruno Covas (PSDB) disse que os recursos continuam sendo buscados.

O novo mercado não é importante somente pelos seus aspectos tecnológicos. Definido como “coração do projeto” pelo arquiteto francês Greg Bousquet, sócio do Triptyque, é a principal ferramenta do plano para mudar o espaço existente.

Enquanto o prédio atual, de alvenaria, volta as costas cegas e gradeadas para o interior da praça, o novo, em estrutura metálica, seria transparente e aberto para todos os lados.

A solução daria continuidade visual e mais segurança aos passantes, eliminando o efeito de muro da atual construção.

As verbas disponíveis pagarão a nova pavimentação, jardinagem e equipamentos. Essas etapas devem estar concluídas entre outubro e novembro. A esperança de Bousquet é que os recursos para o mercado de flores surjam até lá.

Preservado, o traçado original terá piso de tonalidade distinta da usada nas áreas de circulação novas. Estas foram pensadas para reduzir a velocidade dos veículos, priorizando pedestres.

Bancos, luminárias e quiosques utilizados são criação do Estúdio Módulo, vencedores em 2016 de um concurso de mobiliário público.

Opção, diz Bousquet feita para minimizar o fato “bizarro, do ponto de vista ético”, de seu escritório ter sido convidado pelo consulado francês, sem concorrência, para o trabalho.

CRÍTICAS

A dúvida quanto à construção do mercado coroa o caminho atribulado do projeto até agora.

O largo, que se espraia em descida entre as avenidas Vieira de Carvalho e Duque de Caxias, é um dos espaços públicos mais vivos do centro, com comércio, hotéis e restaurantes frequentados dia e noite. É, ainda, um marco notável de convívio e resistência da comunidade LGBT na cidade.

Preocupado com o apagamento dessa presença, o Coletivo Arouchianos ergueu a voz no debate. O termo certo não seria requalificação, mas reforma, diz Helcio Beuclair, fundador e coordenador geral e político do grupo LGBT.

“A gente não é contra a reforma", frisa ele; "a parte física do projeto é interessante”. É a parte “intelectual, o marketing, desde a época do Doria, de transformar a região numa ‘pequena Paris’”, o que preocupa o coletivo.

Para Beuclair, quando se fala em requalificar, questiona-se a qualidade daqueles que construíram laços afetivos com o Arouche.

A ideia de afrancesar, diz, “invisibiliza a ocupação histórica” da região por uma população LGBT periférica, “preta, parda, indígena, amarela, migrante e imigrante”.

Beuclair não nega a percepção de Bousquet de que o “grande atrito” foi com o Arouchianos, enquanto outros grupos da comunidade LGBT foram favoráveis. Para o ativista, de fato a “militância LGBT da elite paulistana, branca e higienizada”, apoia o projeto.

Bousquet diz ter ouvido e entendido as críticas. Na visão do arquiteto, o projeto dará à comunidade LGBT uma territorialidade física que hoje não existe. Marca disso seriam os novos postes com bandeiras de arco-íris, símbolo internacional da diversidade sexual.

“Vou ficar superfeliz se tiver as bandeirinhas, inclusive foi sugestão nossa, imploramos para que fossem colocadas”, diz Beuclair.

Além disso, estão previstos quatro quiosques no largo, um deles para o movimento LGBT —que, contudo, não foi o único foco de discordâncias quanto ao projeto.

Também houve discussão nos órgãos de patrimônio —o Arouche é tombado em nível municipal, pelo Conpresp, e a preservação é avaliada no âmbito estadual, pelo Condephaat.

Aprovado pelo Conpresp, o projeto não foi discutido pelo ETGC (Escritório Técnico de Gestão Compartilhada), que tem como função debater previamente intervenções em áreas tombadas, para fomentar o entendimento comum entre os órgãos do patrimônio.

O Condephaat acabou aprovando o projeto em 2018, apesar de três pareceres produzidos no âmbito estadual terem sido contrários às mudanças —dois de arquitetos da UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico) e um da representante do Instituto de Arquitetos do Brasil no Condephaat, Sarah Feldman.

Todos questionavam a necessidade de criar novos elementos, como a horta comunitária e o espaço para crianças, criticavam a alteração da forma de canteiros e a implantação de quiosques, que alterariam a percepção do espaço.

Mas, principalmente, os pareceres apontavam a fragmentação do largo pelo fato de o projeto se limitar à sua parte superior.

A parte baixa, próxima ao elevado João Goulart, bem como as porções que a ligam ao “alto Arouche” não são contempladas.

Beuclair ecoa a preocupação. É possível, alerta ele, que a parte alta, já densamente frequentada, sofra depredação com o aumento do público.

Para Bousquet, essa é a crítica mais relevante. Segundo o arquiteto, seu escritório chegou a desenvolver estudos para a porção baixa do largo. Sem recursos para a implantação, porém, ficaram na gaveta.

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