Descrição de chapéu

Massacre de presos no Pará é obra de décadas de descasos e discursos demagógicos

Nosso baixíssimo grau civilizatório se desnuda quando nos deparamos com eventos como o de Altamira

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Questionado sobre o massacre no Presídio de Altamira, no Pará, o presidente Bolsonaro sugeriu que se perguntasse primeiro às vítimas dos presos mortos o que achavam, manifestando indisfarçável convicção de que suas mortes são forma de solucionar o problema da criminalidade.

Mais do que indignar, o pronunciamento presidencial ajuda a explicar como fomos capazes de produzir um sistema prisional tão desumano.

Em “Recordação da Casa dos Mortos”, Dostoievski falava que a melhor forma de conhecer o grau de civilização de um povo é visitando suas prisões.

É este nosso baixíssimo grau civilizatório que se desnuda a olhos vistos quando nos deparamos com eventos como este de Altamira. Os atos de violência registrados configuram crimes bárbaros, que devem ser severamente punidos. Mas, por uma perspectiva estrutural, são sintomas de algo mais profundo, uma grave crise no enfrentamento do crime no Brasil, crise cujos fatores desencadeadores compõem um mosaico de muitos matizes. Uma crise destas proporções não se improvisa; é obra de décadas de descasos e discursos demagógicos.

Como esperar de governos populistas, que sempre procuraram explorar sentimentos como o medo, o ódio, a ansiedade e a insegurança da população, o reconhecimento público de que é urgente melhorar as condições dos presídios, reduzir a taxa de encarceramento e flexibilizar a política de combate às drogas?

Não digo que apenas com medidas desta natureza tragédias como a de Altamira seriam evitadas, mas é fato que nenhuma política nesta área será exitosa se não estiver seriamente comprometida com medidas que visem o uso mais racional e humano do poder punitivo do Estado.

Explico: aproximadamente 30% dos presos no Brasil estão atrás das grades por crime de drogas, a esmagadora maioria é de jovens, primários, flagrada com menos de 60 gramas de entorpecente. Em vez de ressocializar, o cárcere elimina de vez qualquer chance de vida lícita a que este jovem pudesse aspirar.

Na prisão, este pequeno infrator é colocado junto com presos mais experientes, e é logo cooptado pela facção. Não existe vácuo de poder. Onde o Estado se omite, alguém ocupa o espaço.

É por meio deste círculo vicioso que o Estado brasileiro segue há décadas fortalecendo o poder das facções dentro e fora dos presídios.

Este dinheiro que é usado na melhor das hipóteses para enxugar gelo, poderia estar sendo investido no aprimoramento do sistema de segurança e nas condições de salubridade das prisões, na capacitação das polícias e no esclarecimento de crimes graves, muitos dos quais não chegam sequer a ser investigados.

Basta dizer que temos uma das maiores taxas de homicídio do mundo, mas apenas 5% destas mortes são esclarecidas, correspondendo os homicídios a apenas 11% do contingente prisional.

Fácil perceber como apesar de prendermos muito, prendemos mal. Tampouco precisa ser entendido no tema para constatar que a política criminal e penitenciária adotadas no Brasil têm servido como fator de incremento da violência e da criminalidade.

É possível construir um plano estratégico de longo prazo sem grandes desforços legislativos capaz de imprimir maior racionalidade no combate ao crime. A má notícia é que o atual governo apresentou um pacote anticrime ao congresso que faz o inverso, insistindo apenas no velho bordão do aumento de penas e endurecimento penal, analgésico que pode momentaneamente suavizar a dor da população mais desavisada, mas a longo prazo tende a aprofundar as principais mazelas na área prisional.

Fábio Tofic Simantob é advogado criminalista e Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

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