Obra no Vale do Anhangabaú causa tremor em prédios e crise no comércio

Funcionários de edifícios vizinhos assustam-se com vibração; prefeitura diz que situação é normal

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São Paulo

No fim da tarde de quinta-feira (18), enquanto a reportagem conversava com representantes da administração do arranha-céu Mercantil Finasa, dois telefones tocaram ao mesmo tempo. Trabalhadores no 21º e no 29º andares alertavam: o edifício estava tremendo.

O empresário Deepak Aildasani descreve a sensação: “Parece um terremoto, ou quando o elevador para abruptamente. Os objetos na mesa se mexem, o monitor treme”.

Do alto do 29º andar do edifício, na rua Líbero Badaró, centro histórico de São Paulo, ele mostra a obra de reforma do Vale do Anhangabaú —em suas palavras e nas de muitos que trabalham pela região, o causador dos tremores no alto dos arranha-céus. “Soubemos do projeto pela imprensa. Não houve nenhuma consulta à vizinhança”, diz. 

A Folha ouviu trabalhadores de três altos prédios da região —Mercantil Finasa, Conde de Prates e Grande São Paulo— que relataram tremores depois que começaram as obras no Vale, no último mês.

Os edifícios acionaram a prefeitura e contrataram vistorias próprias para ver se há riscos à estrutura. 

“Os condôminos ficam com medo, apavorados, e deixamos os bombeiros de sobreaviso”, conta Patrícia Lima, supervisora administrativa do Mercantil Finasa. 

Berenice Herculano, que também trabalha no 29º andar, afirma que “nas extremidades do andar é onde se sente mais. O problema é que, pelos nossos planos de segurança, caso aconteça qualquer coisa, o ponto de encontro é o Vale, que está fechado!”.

Intervenção no Vale do Anhangabaú começou em junho e tem previsão de terminar em 2020 
Intervenção no Vale do Anhangabaú começou em junho e tem previsão de terminar em 2020  - Rivaldo Gomes/Folhapress

Uma trabalhadora do Conde de Prates afirma que, impressionada, a situação faz com que ela chegue em casa e ainda sinta os tremores. Outra do Grande São Paulo diz que a vibração foi discutida nas reuniões da brigada de incêndio.

Há 114 anos, o avô de Armando, Domingos Mascigrande, abriu uma loja de malas na avenida São João, na boca do Vale do Anhangabaú. Armando, que hoje administra a loja, conta que nasceu há 66 anos na região e vive ali desde então: “já vi tudo o que aconteceu aqui.”

Ele diz que nunca a loja esteve tão ameaçada quanto hoje. Ele diz ter sido pego totalmente de surpresa pela instalação dos tapumes na frente de sua loja —reclamação que se repete entre os demais comerciantes. A restrição à circulação de pedestres fez com que a clientela desaparecesse.

“O movimento não caiu, desabou. Não entra ninguém. Eu passava o cartão de 30 a 35 vezes por dia aqui. Agora são só quatro”, diz Armando. Ele conta que já demitiu uma funcionária desde o início das obras e acredita que terá que mandar mais uma embora em breve. “O Brasil tem 13 milhões de desempregados. Em breve, desse jeito, serão 13 milhões e mais sete.”

Proprietário de um sebo também na São João há quatro anos, Marco Antonio Sarti, 60, queixa-se do que chama de falta de planejamento da administração municipal.

“Cheguei aqui numa segunda-feira e os tapumes já estavam colocados. O faturamento caiu pela metade, nunca esteve tão baixo. O comércio vive do fluxo, compro 500 discos de vinil pensando que vou vender de cinco a dez por dia. Se tivessem avisado, mudaria a minha estratégia”, diz.

Sarti prevê um período de dificuldades —”será um problema sobreviver até lá”—, mas ele acredita que a requalificação da região pode ter um efeito final positivo. 

Já Aldesani preferia que a prefeitura tivesse feito ação mais pontual. “A gente queria manutenção, um cuidado maior, mais banheiros públicos. Não precisava reconstruir o Anhangabaú todo”.

A gestão Bruno Covas (PSDB) anunciou a reforma no começo de junho de 2019 e colocou o prazo de um ano para que seja concluída. A proposta de obra foi feita na gestão do petista Fernando Haddad, a partir de um projeto de intervenção que começou a ser desenhado em 2013 e tinha previsão de ficar pronto em 2016. 

De autoria do renomado escritório de arquitetura do dinamarquês Jan Gehl, o projeto terá custo de R$ 80 milhões e a prefeitura pretende conceder a manutenção dos equipamentos à iniciativa privada.

O enterramento da rede de energia e de telecomunicações é o primeiro passo. Depois, degraus devem dar lugar a novo piso, de superfície uniforme e acessível, para melhorar a circulação de pedestres.

Vista do vale do Anhangabaú na década de 1930, a ‘sala de visitas da cidade’ na época
Vista do vale do Anhangabaú na década de 1930, a ‘sala de visitas da cidade’ na época - Reprodução do livro “São Paulo - Três Cidades em um Século”

Em referência ao córrego Anhangabaú que ali existia até 1906, serão instalados 850 pontos com jatos d’água no chão para refrescar os transeuntes. O projeto também prevê 1.500 lugares para sentar, além de bebedouros, sanitários, quiosques de comércio, floriculturas. A prefeitura vai plantar 125 novas árvores e instalar mais de 350 pontos de iluminação. 

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, uma das áreas para eventos já deverá ficar pronta para a próxima Virada Cultural.

A reforma do Anhangabaú está incluída em um bloco de ações de requalificação no centro, algumas delas com previsão de entrega para 2020, ano em que Covas disputará a reeleição à prefeitura.

Prefeitura diz que medições apontam resultados normais

Em nota, a Prefeitura de São Paulo diz que está em contato permanente com os afetados pelas obras, “com o objetivo de mitigar os impactos resultantes da intervenção”. Afirma que o atual estágio da obra não restringe a circulação e o acesso aos imóveis e ao comércio.

Em relação aos ruídos e vibrações, diz que implantou um sistema de monitoramento. A prefeitura afirma que as medições realizadas apontaram resultados dentro da normalidade, sem impacto pelas obras. Diz também que está realizando “vistorias cautelares” na estrutura dos imóveis para “avaliação de eventuais patologias preexistentes.”

Por fim, defende que o projeto foi desenvolvido com a contribuição de atores da sociedade civil, conta com aprovações na Secretaria do Verde e em órgãos de patrimônio e foi apresentado na Câmara e em diversas reuniões com associações e universidades.

Entre as obras que estão no cronograma da prefeitura estão a criação dos parques Augusta e Minhocão, a reforma dos calçadões do Triângulo Histórico —entre as ruas Benjamin Constant, Boa Vista e Líbero Badaró— e a concessão da cobertura do edifício Martinelli à iniciativa privada.

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